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Elle – O labirinto intrincado de uma psique feminina!

Elle

Até pouco tempo atrás, quando o nome Paul Verhoeven surgia em alguma roda cinéfila, era difícil encontrar alguém que estivesse a par dos últimos trabalhos do cineasta holandês. Na verdade, quase ninguém lembrava se realmente havia créditos recentes depois do ótimo A Espiã, filme de 2006 em co produção entre Holanda, Alemanha, Reino Unido e Bélgica. Depois disso, ele ainda realizou uma produção pouco comentada em sua terra natal, seis anos depois, voltando agora com Elle (idem), que vem chamando atenção por onde passa. Não apenas pela qualidade técnica, mas também pelo seu conteúdo polêmico. Antes do filme em si, ainda cabem breves considerações sobre a carreira do diretor.

Parece relativamente fácil entender por qual motivo um profissional como ele está afastado da Hollywood que o aclamou, entre as décadas de 1980 e 90, isso se você é o tipo de espectador que presta atenção nas tendências do cinemão comercial. Em caso afirmativo, você imagina algo como Instinto Selvagem produzido hoje na grande indústria? Um provocador como Verhoeven, se quiser se manter exercitando sua verve, precisa mesmo de outros mercados. Neste seu último trabalho, co produzido entre França, Alemanha e Bélgica, a velha ousadia está presente, lembrando o tempo em que Sharon Stone fez sua famosa cruzada de pernas.

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Com Isabelle Huppert no papel principal, outra personalidade que não se intimida com material difícil, afinal, ela protagonizou o fetichista A Professora de Piano, de Michael Haneke, Elle mostra um estranho recorte da vida de Michèle Leblanc. Empresária implacável no ramo de videogames, ela sofre um estupro violento nas mãos de um mascarado que invade sua casa e foge após o ato. O que teria abalado profundamente qualquer pessoa é assimilado de uma forma relativamente tranquila e até fria, contrastando com o relacionamento conturbado com outras pessoas ao redor.

Pode parecer que a personagem tem algum transtorno dissociativo ou de outra natureza, mas não é o caso. Michèle é uma mulher divorciada, madura e sexualmente ativa, bem sucedida em um ramo que – olhando de longe – parece estranho a ela, pois nunca a vemos envolvida com videogames fora do ambiente da empresa, além de seu tipo e postura sugerirem muitas áreas de atividade, menos essa. Esses pequenos detalhes, mais sua forma de lidar com a violência que sofreu, já causam um estranhamento no espectador, mas de uma forma em que somos atraídos a decifrar essa figura cativante. É neste momento em que percebemos a responsabilidade colocada nos ombros de Isabelle Huppert, tarefa que a veterana atriz realiza com competência invejável.

Como nosso incidente incitante é o estupro, é óbvio supor que isso é desenvolvido ao longo dos 130 minutos de duração. A protagonista, enquanto busca descobrir a identidade do agressor por conta própria, ainda precisará entender qual é a verdadeira natureza deste ato, em meio a problemas familiares – alguns que justificarão sua recusa em procurar a polícia –  e profissionais. Baseado no livro de Philippe Dijan, o roteiro é de David Birke, cujos créditos em produções menores de terror podem dar a entender que estamos diante de um novo Doce Vingança. Na verdade, temos um thriller psicológico com várias nuances, fazendo desta obra um ótimo estudo de personagem. É válido supor que a sutileza e ironia do filme vieram mesmo da interpretação que Verhoeven fez do texto, algo que eu apostaria pelo currículo do roteirista.

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Falando em estudo de personagem, perceba que apenas Michèle foi citada até agora. Sobre os homens e mulheres que orbitam ao seu redor, cada um deles mais ou menos desenvolvido de acordo com sua função na trama, não há motivo para descrevê-los aqui, pois ela é o que verdadeiramente importa. É observando os infortúnios e triunfos da protagonista – com a resolução de seu arco dramático diretamente ligado ao seu relacionamento com todos e suas respectivas reações – que podemos chegar a alguma conclusão sobre essa obra cinematográfica singular.

Estamos falando de um filme cuja complexidade torna uma revisão muito conveniente, justamente por pedir que o espectador elabore algum raciocínio, algo que toma algum tempo após seu término. Mesmo assim, algumas coisas já ficam claras. O mundo masculino é patético dentro da visão proposta pela narrativa, fazendo a contraparte do feminino de uma forma desastrada, dizendo o mínimo. Parece uma extrapolação de uma ideia sutil em Thelma & Louise, de Ridley Scott. O interessante nesta comparação é que são dois filmes dirigidos por homens, mas isso é outro detalhe que mereceria uma discussão à parte. O fato é que alguns dos personagens e situações em Elle podem incomodar por chegarem perto demais do caricato, ainda que isso pareça uma opção consciente.

Sobre a parte técnica, a fotografia de Stéphane Fontaine evita os clichês. Primeiro, exceto por um momento bastante específico, temos a violência acontecendo às claras, assim como quase tudo. O conceito do descobrimento das camadas da protagonista trabalha de mãos dadas com esse tipo de iluminação, além dos filtros que dão destaque à interessante paleta de cores, evitando que o filme caia para um tom frio e estéril. Belas imagens, captadas pelo estilo mais clássico da câmera do cineasta, que dispensa qualquer firula estética, o mesmo vale sobre a edição, para manter o foco em sua Michèle.

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Além do ritmo seguro ditado pelo diretor, controlando bem a cadência dos acontecimentos, existe outro detalhe que faz diferença na proposta aqui. Desenho e mixagem de som – mais lembrados quando se trata de um filme barulhento – fazem sua parte quando é necessário chacoalhar a plateia. São momentos pontuais, mas de muita importância para que o filme não se torne cansativo.

Elle satisfaz os fãs de Paul Verhoeven e um público carente por um cinema mais ousado conceitualmente. Ignore as sinopses curtas, que dão a entender que se trata de um suspense comum. Independente do ponto de vista, é um perfeito estimulante para discussões, sem apelar para o choque pelo choque, com potencial para irritar alguns grupos mais radicais, ou preguiçosos demais para pensar por si mesmos. Se você curte um passeio fora de sua zona de conforto, não pode deixar de ver.

E rever, dependendo das impressões!

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