Adaptar Hq’s violentas costuma ser um problema para ambos os lados, realizadores e público. Os primeiros, sem entender muito bem do que se trata a história, pensam em quadrinhos como algo exclusivamente infanto-juvenil, usando a classificação etária padrão de blockbusters, 13 anos – a famigerada PG-13 – que supostamente garante mais dólares na bilheteria, porém, descaracteriza dramaticamente a história. No outro extremo, a plateia em geral sofre, pois se conhece o gibi, não reconhece os personagens na tela, e se for apenas alguém atrás de uma boa diversão, também se frustra pela omissão do filme, que não assume uma linha e prefere tentar agradar a todo mundo, o que é francamente impossível. A insatisfação do público em geral prejudica a bilheteria, e o resultado é MUITO dinheiro jogado no lixo e uma promissora franquia cinematográfica enterrada, pelo menos por alguns anos. Claro esse raciocínio se aplica a muitos filmes de super-heróis, assim como alguns também dão certo de alguma forma, mas quando temos personagens mais linha-dura na jogada, eles acabam sendo os mais imbecilizados nesse processo. Se você viu Jonah Hex, por exemplo, sabe do que eu falo.
Com isso em mente, Dredd, de 2012, acabou sendo uma grata surpresa, já que além da natureza violenta da Hq, ainda havia o fantasma de uma adaptação medonha do personagem, o entulho O Juiz (Judge Dredd), feito em 1995 e com Sylvester Stallone no papel título. Cabe lembrar que na década de 1990 existem vários exemplos de como ridicularizar os quadrinhos nas telas, pois os estúdios tratavam essas marcas como produtos menores, investindo muito pouco. O filme de Stallone tem até uma direção de arte bacana, mas é muito complicado defender um filme em que o eterno Rambo tem o comediante Rob Schneider como sidekick, fora outras concessões comerciais e/ou de ego do ator. Mas vamos ao que interessa de verdade.
Dredd é um filme violento, como cabe ao universo do personagem. Karl Urban, o Dr. McCoy dos novos Star Trek, como Juiz Dredd, não tira o capacete, ocultando o rosto o tempo todo, exatamente como nos quadrinhos. Isso já mostra um certo culhão dos produtores, e do ator, ao manterem uma característica tão peculiar do original. Certo, isso é respeitável, mas e o resto, como fica? Fica um filme de ficção científica policial muito realista, onde algumas áreas externas decadentes, mostradas no início, lembram até São Paulo. Caso você não saiba nada sobre os gibis ingleses que deram origem ao filme, no mundo distópico futurista de Juiz Dredd, os juízes são a polícia local, acumulando além das funções de repressão, a tarefa de julgar e aplicar a pena no local da prisão. Atuando em Mega City, uma gigantesca megalópole descontrolada, os juízes lidam com todo tipo de crime, dos mais simples aos mais bárbaros, fazendo valer a lei com o rigor que for preciso.
Não há história de origem em Dredd, outra opção esperta, o que nos coloca logo de cara com o bom juiz em ação. Após abrir com uma sequencia de perseguição que já nos indica o tom do filme, o ponto de partida é a ordem que Dredd recebe para acompanhar a instrução de uma aspirante a juíza, a sensitiva Anderson (Olivia Thirlby). Conforme manda o clichê de filmes policiais, o veterano não simpatiza e não alivia para a novata. Respondendo a uma ocorrência, eles acabam no saguão do prédio dominado pela gangue de Ma-Ma(Lena Headey), traficante de Slo-Mo, uma droga que altera a percepção do usuário dando a impressão do tempo passar cem vezes mais devagar. Esse detalhe da trama rende algumas cenas muito estilosas em câmera lenta. Dominando o sistema de segurança, a gangue fecha a blindagem do prédio isolando-o, porém, mantendo Dredd e Anderson dentro por engano. Sozinhos, acuados e sem esperança de reforço, só resta avançar até o último andar e alcançar a chefona Ma-Ma, mas ela antes ordena aos moradores pelos alto-falantes que dêem cabo do juiz e da aspirante. Cenário montado para a ação dominar até o fim.
O diretor Pete Travis conduziu o filme muito bem, dentro da sua premissa. Quem não viu no cinema, infelizmente, perdeu uma aplicação de 3D muito boa. Apesar de lidar com espaços fechados na maior parte do tempo, isso não foi obstáculo para um trabalho com profundidade de campo que o 3D exige para um resultado diferenciado. Mesmo assistindo em casa, a fotografia de Anthony Dod Mantle, de Extermínio e Quem Quer Ser Um Milionário?, dá conta do recado tanto no clima realista, que lembra muito Distrito 9, quanto nas cenas em câmera lenta ou na exibição dos poderes telepáticos de Anderson.
Seguindo esse caminho realista, os figurinos são um tanto mais discretos do que os originais dos quadrinhos, mas ainda assim bem reconhecíveis. Uma das queixas mais ouvidas, feita inclusive pelo desenhista Brian Bolland, famoso por seu trabalho com o personagem, diz respeito justamente a esse realismo. Foi dito que essa característica tornou Dredd um filme genérico, sem relação com o tom satírico e irônico do original. Isso é até verdade, pois as histórias do personagem sempre foram muito mais do que um policial durão mandando bala por todos os lados e rangendo os dentes. Realmente, se pudesse ser mais fiel à sua fonte, o filme deveria ser, textualmente, algo parecido com Robocop (de 1987) e Tropas Estelares, ambos de Paul Verhoeven, e ter alguma coisa do visual de Blade Runner, pelas suas visões críticas de mundo. O problema é que para realizar algo desse porte, seria preciso muito mais dinheiro do que se dispunha. Um orçamento aproximado de U$50.000.000 é bem baixo para esse tipo de produção, mas acredito que dentro desta limitação o filme se sai bem. É evidente que a opção de situar a maior parte do filme em um espaço fechado vem do fator financeiro, mas foi tão bem feito que isso nem é lembrado em sua duração. Como está cheio de cineasta que se enrola com muito dinheiro, a falta dele pode ter até ajudado.
Hora das ressalvas! Quando há mais de um juiz em cena, por conta dos figurinos com os capacetes, fica um pouco complicado distinguir quem é quem, exceto pelas mulheres. Isso seria facilmente resolvido se utilizassem atores negros ou com barba, cavanhaque ou bigode para os juízes secundários, pois a única parte visível do rosto mostraria uma característica distintiva. Além disso, o pior do filme é que o roteiro de Alex Garland – de Extermínio, A Praia e Sunshine, os três de Danny Boyle – é incrivelmente CHUPADO de outro filme recente, o indonésio The Raid – Redemption, que inclusive já ganhou uma resenha AQUI. Agentes da lei presos num prédio; confere. Chefe do crime incitando os habitantes a mata-los através de alto-falantes; confere. Só resta a eles subir até o último andar para pegar o cabeça; confere. É pouco? Tem ainda a questão da câmera lenta, mas ainda que essa firula tenha explicação pelo uso da droga em Dredd, o efeito visual também foi sumariamente copiado de The Raid. Você ainda encontra cenas mais ou menos parecidas apenas comparando os trailers.
Com pouca bilheteria, mas relativo sucesso em vendas de Dvd e Blu-Ray, existe a esperança de uma continuação. Entre petições online e a página no Facebook Make a DREDD Sequel, os fãs esperam que o personagem possa voltar às telas algum dia. Sinceramente, não creio que isso seja uma boa ideia, pois o estúdio com certeza tentaria pateticamente isolar os motivos da baixa arrecadação. A primeira decisão para maximizar o lucro seria atenuar a violência e o clima barra-pesada, diminuindo a classificação etária. Melhor deixar como está, pois o cinema não precisa de máquinas de matar com bom coração. No entanto, se houver alguma mínima chance de uma continuação realmente decente acontecer, seria bom que os responsáveis lembrassem um pouquinho da reclamação do Sr. Brian Bolland, pois o filme só teria a ganhar. Claro que também seria bom evitar usar o roteiro dos outros.
P.S.: Parabéns aos responsáveis pelo lançamento nacional do DVD e Blu-Ray. O subtítulo, que não existia quando o filme foi lançado nos cinemas daqui, “O Juiz do Apocalipse” (!!!!) é um dos piores na história do nosso país. Só não sei se a excelência atingida aqui foi na estupidez ou no descaso…