Não há como negar que histórias que destacam personagens caninos têm um apelo instantâneo, assim como as narrativas que mostram alguém, ou um grupo, que sofre abuso e dá a volta por cima, ou melhor, o troco aos agressores. Juntar os dois é um ótimo negócio, o que faz da premissa de White God (Fehér Isten), filme húngaro feito em parceria com Alemanha e Suécia, algo automaticamente interessante. Além daí é que a coisa não se mostra tão engenhosa quanto parecia.
Dirigido por Kornél Mundruczó, também co-autor do roteiro, teve seu título inspirado pelo livro Desonra, de J. M. Coetzee, romance ambientado na África do Sul pós-apartheid. A trama gira em torno de Lili (Szófia Psotta), uma garota de treze anos que ama seu cachorro Hagen, mas o caso que alavanca a história é uma taxa que os donos dos cães são obrigados a pagar, a menos que os animais sejam de raça. Filha de pais divorciados, Lili é obrigada a passar um tempo com seu pai rabugento (Sándor Szótér), já que sua mãe viajou, mas ele não tem a menor paciência com Hagen. A cobrança da tal taxa, graças ao hóspede canino indesejado, faz com quem ele decida abandona-lo.
Por conta desta circunstância, percebe-se que a incidência de abandonos é enorme, o que dá bastante trabalho aos coletores do canil municipal. Hagen se vira como pode nas ruas, mas acaba nas mãos de alguém que vai maltratá-lo por um interesse específico, enquanto a relação entre Lili e seu pai vai piorando por conta do que ele fez, mas ela não desiste de procurar seu melhor amigo. Enquanto isso, os cães abandonados tem um propósito imediato mais simples: a desforra. Conforme comentado lá em cima, é uma premissa bacana.
White God tem duas horas de duração, construindo toda a situação que culmina no momento “Planeta dos Cachorros” em cerca de dois terços deste tempo. Os problemas começam já no primeiro ato, onde as atuações se revelam muito fracas, com pouquíssima expressão, enfraquecendo a empatia do público. O desempenho dos atores soma-se a um roteiro que não desenvolve personagens, além de fazê-los mudar de ideia rapidamente, resolvendo conflitos de acordo com a conveniência da história. Nem a direção foi capaz de conferir alguma profundidade, ou provocar algum sentimento pela dupla protagonista, já que a menina fica devendo e seu pai é apenas um cara chato, tão insosso que nem abandonar o cachorro é o bastante para que alguém se importe com o que acontecerá com ele.
Sem brincadeira, a melhor atuação do filme fica por conta dos dois cachorros no papel de Hagen. Os méritos do filme estão realmente no esforço de se treinar um cão – ou muitos, dependendo da cena – para contar essa história, algo que deve ter sido bastante complicado e trabalhoso, mas ficou muito bom mesmo. Hagen é o único por quem é possível torcer, passando por algo que entendemos como um sofrimento real, mas o que poderia ser uma bela alegoria se perde em uma narrativa mal conduzida, incapaz de criar impacto mesmo nos momentos mais conceitualmente fortes. Até tentaram enganar na montagem, procurando algo mais gráfico, mas a emenda saiu pior que o soneto.
Chegando ao seu terço final e tentando conferir um clima mais tenso, momentos de suspense telegrafado – usando a penumbra como se não soubéssemos quem está vindo – são mais uma bola fora da produção. O clímax mostra como esse roteiro foi chutado, já que surge até uma intuição milagrosa para que determinado personagem se dirija do ponto A ao B, contando com uma imensa boa vontade do público. O final é até interessante e o simbolismo faz sentido, mas não justifica todo o conjunto.
Assim, White God se mostra uma produção que aposta no amor que a maioria das pessoas tem pelos peludos. Potencial para ir além não faltava, só dependia de um roteiro e direção eficientes. De qualquer forma, quem quiser um filme forte com um tema canino, capaz de provocar aflição e trazer reflexões, pode procurar Cão Branco, de Samuel Fuller. São histórias bem diferentes, mas tem cachorro e (quase) todos nós gostamos deles.