Warcraft – O Primeiro Encontro de Dois Mundos foi comentado no Formiga na Cabine!
Desde 1994, quando a Blizzard estourou para o mundo com o primeiro Warcraft: Orcs vs. Humans, ela sempre fez questão de estar na vanguarda da tecnologia de entretenimento. É a sua marca registrada. Embora a empresa não tenha criado os conceitos que utilizou, sempre levou seus jogos a um novo nível. Só quem jogou o o RPG para PC’s Diablo 2 sabe como era a expectativa para terminar um cenário e poder apreciar as maravilhosas cinematics – as animações de interlúdio do jogo – que beiravam a uma perfeição cinematográfica, em uma época em que o top de tecnologia nos games de plataforma eram os cubos pixelizados do Nintendo 64.
Então, o filme da sua maior e mais lucrativa franquia, Warcraft – O Primeiro Encontro de Dois Mundos, foi anunciado. Para fãs de longa data, era como um sonho se concretizando, mas a realidade logo começou a dar tapas na nossa cara. A Blizzard não seria responsável direta pela adaptação, ou seja, uma franquia com uma legião de milhões de fãs fiéis estava entregue a intelligentsia hollywoodiana. Uma pulga atrás da orelha. Então, foi anunciado que o diretor seria Duncan Jones, responsável pelo ótimo Lunar, mas que não dava qualquer pinta de ter condições de encarar um projeto épico que muito pretendiam que fosse o novo Avatar em termos de tecnologia cinematográfica e – por que não? – Senhor dos Anéis enquanto franquia épica bilionária. Outra pulga.
O fato é que o ritmo de produção e alguns problemas no meio do caminho, associados a um diretor sem experiência, credenciado unicamente pelo fato de ser “gamer”, mais a ingerência de um estúdio gigante de Hollywood, sem qualquer apreço ou respeito pela franquia que tem em mãos e visando apenas montanhas de lucro, como normalmente acontece, mais o retrospecto absolutamente negativo de adaptações de games para o cinema, moldavam um cenário tão apocalíptico para o filme quanto o Draenor natal dos orcs. O filme chegou! O resultado? Tão ruim quanto se poderia imaginar.
O que fica evidente durante a narrativa é que a principal preocupação era “agradar” os fãs. Bom, somente fãs patetas, que se contentam com a absoluta condescendência de verem seus personagens favoritos retratados bonitinhos e garbosos na tela, mas sem conteúdo nenhum que justifique duas horas de um não-espetáculo epilético movido a efeitos especiais datados e caricatos, além de atuações dignas de novelas globais. É até difícil dizer onde começam os problemas do filme, mas vamos tentar.
A trama conta a diáspora dos Orcs do seu mundo natal moribundo, Draenor, em direção a Azeroth, habitado por inúmeras raças como humanos, anões e elfos. O orc Durotan, entretanto, percebe que o mago Gul’Dan, responsável pela chegada dos orcs a Azeroth, não tem a melhor das intenções. Assim, ele busca formar uma aliança com os humanos Lothar e o rei Llane, responsáveis pela defesa daquele mundo, antes que a guerra entre ambos devaste Azeroth e acabe com a esperança de sobrevivência dessas raças.
Apesar de tudo, a trama é totalmente baseada no cânone da série, principalmente no primeiro jogo, Orcs vs. Humans, mas também traz elementos de expansões mais recentes de World of Warcraft. Os personagens são mostrados, esteticamente falando, exatamente como são no jogo. A fidelidade à série também se revela pontualmente através do filme, com diversos easter eggs e fan services até dizer chega, mas isso não é um problema. Uma adaptação de uma franquia com uma quantidade de fãs tão grande até faz bem em dar esses mimos ao seu público, que se pretende ser a base da sua bilheteria.
O problema é todo o resto. O filme esfrega na cara do espectador todo o contexto narrativo de uma série que já se estende por duas décadas e uma dúzia de jogos e expansões, inacreditavelmente, em apenas duas horas. Tudo no filme é atropelado porque “visa o fã”; ou seja, o filme está se lixando para quem não é jogador de WoW e espera que o espectador simplesmente deduza tudo o que está acontecendo. Seria uma piada de mau gosto dizer que o filme é somente “hermético”. É como se Peter Jackson, ao realizar o Senhor dos Anéis, tivesse decidido incluir nas suas 9 horas de saga todo o resto das 12 mil páginas escritas por Tolkien sobre aquele mundo. Não consegue decorar 4 mil nomes de personagens e 500 localidades espalhadas por um continente inteiro? Problema seu.
Mesmo que você consiga entender quem é quem e suas respectivas histórias, vem a parte de entender o que cada um está fazendo e, essencialmente, o que está acontecendo. No que concerne a fuga dos orcs, é até aceitável – eles fogem porque seu mundo está morrendo. Agora, em relação a todo o resto, se você não é fã, boa sorte tentando entender o que é Fel (Vileza? Sério?), quem é Gul’Dan, quem é Medivh, qual é a relação da magia deles, o que é Alodih, qual é o papel das outras raças nesse mundo, porque existe uma mestiça orc-humana ali no meio, e por aí vai.
Ainda que você consiga entender quem é quem e, por algum milagre ou por ser fã, o que está acontecendo, vem a parte técnica do filme. O erro na escolha de Duncan Jones como diretor e co-roteirista é gravíssimo, podendo custar uma carreira promissora de um cineasta que demonstrou muita criatividade e competência no seu filme de estreia. Jones simplesmente não sabe como desenvolver o filme. Tudo é apresentado muito rápido e a profusão de personagens impede o desenvolvimento apropriado de cada um. A história – apesar de baseada no cânone – é rasa e sem sentido, começando do nada e indo para lugar nenhum, com pouquíssimas coisas mudando em relação a maneira como o filme começa e como ele termina. Existe pouquíssima variação de câmeras – um colossal desperdício das possibilidades que o filme apresentava, e a opção de abarrota-lo com um caminhão efeitos especiais vibrantes e limpos – que não é ruim em si, apenas mal executada – torna o visual de todos em cena profundamente caricato, o que se torna um problema inalienável em um filme que se leva extremamente a sério. A movimentação de combate de humanos e orcs no filme se assemelha muito a dos games, o que não é uma coisa boa – é absolutamente artificial – e com exceção dos combates individuais, é difícil comprar que aquelas batalhas são mesmo reais.
Apesar de tudo o que dissemos sobre Jones, ainda se deve insistir na ideia de que é um diretor promissor – que teve a infelicidade de assumir o projeto errado. O fato de o filme ser uma bagunça do começo recai muito sobre as costas dele sim, mas ele não caiu de paraquedas ali. Novamente, a boçalidade dos produtores hollywoodianos não permitiu que eles reconhecessem uma franquia que poderia revolucionar o cinema, se tivesse sido dirigido por alguém ousado e à altura da tarefa. Jones foi uma escolha fácil, tipicamente oportunista – um diretor em ascensão, cujo nome chama atenção, mas sem respaldo o bastante ainda para que pudesse peitar os produtores. Se ser fã credencia alguém a dirigir um filme, fico no aguardo para receber minha ligação e assumir a continuação.
Por fim, temos as atuações. A direção dos atores é sofrível, e Jones demonstra simplesmente não saber como lidar com seres humanos e telas verdes nesse filme. Difícil conduzir um épico dessa escala quando o cara tocando o barco não sabe porque ele boia. Na verdade, dizer que são sofríveis chega a ser um eufemismo. Como dissemos no Formiga na Cabine, pai vê filho morrer com a mesma expressão de quem fica chocado com o preço do abacate no mercado, diálogos em decisões sobre o destino de um mundo com a mesma intensidade de um jogo de buraco entre velhinhas. É tudo muito ridículo, risível. E a culpa não é necessariamente dos atores, pois muitos ali, embora não sejam super estrelas de Hollywood, tem excelentes trabalhos em séries ou outras franquias, como Travis Fimmel (da ótima série Vikings), Paula Patton (Missão Impossível: Protocolo Fantasma), além de Callum Keith Rennie, o eterno Leoben de Battlestar Gallactica. Outros nomes, como Ben Foster e Clancy Brown, não são necessariamente ruins por incompetência – é muito claro que nenhum deles, assim como os espectadores, não entende lhufas do que está acontecendo. Jones, diretor e escritor, não foi capaz de faze-los entender qual era a proposta do filme. Na verdade, não foi capaz de fazer ninguém, espectadores ou atores, entender nada sobre nada. Difícil atuar assim.
O encerramento do filme o coloca mais ou menos no ponto onde o game World of Warcraft está. O que significa para nós que haverá continuações. Isso é para deixar qualquer um dividido – orar aos deuses de Azeroth para que a continuação faça o milagre de consertar esse desastre, ou se resignar e enterrar a franquia no cinema de uma vez? O mais provável é que venham mais continuações por aí, porque apesar de ser um filme péssimo, ele tem todos os elementos que atraem espectadores que vão ao cinema apenas atrás de pipoca e danos cerebrais. Se Transformers e Michael Bay nos ensinaram alguma coisa, é que com muita persistência e nenhuma noção essas franquias vão longe.
Quanto a mim, se me dão licença, eu vou voltar ao game Warcraft, que eu me divirto muito mais.