Apesar das qualidades técnicas, Vazante não consegue gerar o mínimo de interesse
Uma tentativa comum no cinema é o diretor procurar emular o sentimento da época que retrata, dando a sensação de como era viver no tal período. Stanley Kubrick fez isso em Barry Lindon, além de Michael Haneke em A Fita Branca. Não há nenhum problema com esse tipo de abordagem, já que não existem limites neste sentido. O porém é que precisa haver algum tipo de empatia para que o espectador entre na narrativa, ou tudo torna-se um exercício de paciência. E, infelizmente, é o que Vazante se torna no fim das contas.
O filme se passa em uma fazenda em Minas Gerais, no inicio do século XIX. Antônio (Adriano Carvalho), um negociante português, retorna de viagem quando sua mulher e o seu filho morrem durante o parto. Após os familiares da moça irem à fazenda para o velório e para dar condolências ao marido, Antônio decide se casar com a filha mais nova da família, a jovem de Beatriz (Luana Nastas), de apenas 12 anos. Com sua nova vida na fazenda, a garota enfrenta a solidão, além de conviver com o preconceito racial e o machismo.
Pela sinopse, dá para perceber que há uma história interessante a ser contada. Só que o roteiro da diretora Daniela Thomas e Beto Amaral peca por encher o longa com várias subtramas e não desenvolver nenhuma de maneira satisfatória. Ele demonstra de maneira verossímil, o cotidiano daquele tempo, mas de nada adianta se não há nenhum personagem com qual se possa ter alguma conexão e que seja bem construído. E nenhum dos personagens de Vazante se mostra, ao menos, interessante. São todos unidimensionais, servindo só para criticar alguma coisa e, mesmo com um discurso relevante, pouco serve à narrativa. Juntando essa pobreza dos personagens com as várias subtramas pouco aprofundadas e o ritmo, temos um filme que se arrasta demais. Sua duração é de 100 minutos, mas parece que tem mais de três horas.
Virtuosismo Técnico
Se o filme foi feito a partir de um roteiro problemático, a parte técnica se mostra muito interessante. A primeira coisa que chama a atenção é a bela fotografia em preto e branco, do peruano Inti Briones (O Pequeno Segredo). É um trabalho expressionista, que chama a atenção pelo uso forte do contraste, com poucos tons de cinza. Além disso, Briones e a diretora criaram belíssimos planos evocativos, que conseguem transmitir a solidão e a monotonia do lugar.
Há também uma excelente direção de arte que, sempre que possível, mostra a relação entre homem e natureza e traz recriações muito fieis de uma fazenda e das senzalas daquela época. Os detalhes chamam atenção, como o crucifixo que quase fica escondido na parede de Antônio. Esse nível de cuidado se mostra muito claro nos figurinos riquíssimos do longa. É uma obra visualmente muito poderosa, que mostra o esmero de Thomas como diretora, construindo uma gramática visual coesa. Pena que ainda falta a ela uma habilidade maior como narradora, para evitar os problemas de ritmo.
Mas, de todos os fatores técnicos, o que mais chama a atenção é o desenho de som feito por Vasco Pimentel. O filme não tem trilha sonora e Pimentel faz um trabalho muito forte com a diegese sonora. O som dos animais da mata se torna uma parte da atmosfera do filme, além de conseguir criar um ambiente muito angustiante, imergindo o espectador em seu universo. Um trabalho impecável.
O elenco também se mostra muito bem encaixado, criando – em sua maioria – trabalhos minimalistas que dizem tudo com o olhar ou com pequenos gestos. Todos os atores estão ótimos, com destaque para a jovem Luana Nastas, que se mostra uma atriz a se acompanhar. Com poucos diálogos, a moça consegue passar toda a sutileza da personagem. A riqueza está em seu jeito de olhar, ou a maneira ingênua – e amedrontada, ao mesmo tempo – de andar e tocar nos objetos da casa.
O que se observa é que há um subtexto farto que Daniela Thomas criou para falar sobre o machismo e o racismo. Mesmo fugindo do maniqueísmo, ela retrata a crueldade da época e isso faz todo o sentido. Sua proposta é exibir um universo historicamente fiel. Infelizmente, como já foi dito, não é o suficiente para sustentar uma narrativa, pois é preciso algo para o espectador agarrar-se e falta isso ao filme.
Enfim, Vazante mostra que Daniela Thomas pode melhorar como diretora, mas esse trabalhou soou mais um exercício estético do que realmente uma realização narrativa. E por mais que as atuações e a parte técnica mereçam destaque, não evitaram a torcida para que o filme acabasse logo.