Variações De Casanova não justifica suas escolhas narrativas
John Malkovich (que esteve recentemente em Horizonte Profundo: Desastre No Golfo) é uma figura peculiar: o seu olhar é tresloucado, o seu timbre de voz é curioso, o seu rosto tem um formato excêntrico e as suas atuações são tão carismáticas quanto desvairadas. Essa estranheza, como não poderia deixar de ser, foi devidamente percebida por roteiristas e diretores, e o ator norte americano acabou participando de projetos condizentes com a sua bizarrice física, como Quero Ser John Malkovich, Totalmente Kubrick e os vídeos em que recria algumas obras de David Lynch. Dando seguimento ao costume, a esquisitice da vez é este Variações De Casanova (Casanova Variations).
Dirigido e coescrito (Markus Schleinzer também participou da criação do roteiro) por Michael Sturminger, o mesmo sujeito que comandou o ator na peça de teatro que passou pelo Brasil, The Infernal Comedy – Confissões de um Serial Killer, o filme gira em torno tanto do contato que o famoso conquistador amoroso (John Malkovich) teve durante a velhice com uma mulher do seu passado chamada Elise (Veronica Ferres), quanto as dificuldades enfrentadas pelo próprio Malkovich e um grupo de atores durante a encenação de uma ópera acerca da vida de Giacomo Casanova.
Claramente experimental, Variações De Casanova parece querer ser um tratado sobre as possibilidades da representação cinematográfica. Para isso, flerta com dois tipos de narrativa: enquanto uma delas se encaixa dentro do formato típico de uma biografia, com espaço para a presença de elementos reconhecíveis do teatro e do cinema, a outra se desenrola numa alternância entre uma espécie de registro documental dos bastidores da ópera e números musicais que versam sobre a vida de Casanova. Aparentemente, ao fazer este filme, Sturminger estava interessado em experimentar com realidades temporais distintas e o papel representativo que estas têm no campo cinematográfico.
Embora gere a impressão de ser confusa ou complexa, essa estrutura se torna clara ao longo da projeção, e o espectador não tem dificuldade na hora de compreender qual é a história que está acompanhando (graças ao trabalho da montadora Evi Romen, que distingue elegantemente os diferentes espaços cênicos). Na verdade, o problema do filme é outro, e ele se encontra justamente na falta de propósito por detrás das escolhas narrativas do roteiro. Se, na teoria, a ideia de misturar uma trama formal com documentário e ópera pode soar interessante, na prática, ela se transforma numa experimentação completamente injustificada – ao menos neste filme.
É impossível definir quais foram as intenções de Sturminger e o seu parceiro de roteiro em Variações De Casanova. No entanto, isso não é um problema de interpretação ou análise, mas sim uma realidade negativa que o próprio filme não consegue superar. A impressão que dá é que a dupla pensou simplesmente em diferentes maneiras de contar uma história, sem se preocupar com a relevância temática que elas teriam ou achar uma resposta verossímil para a sua aplicação, como se a mera presença de momentos “estranhos” fossem suficientes para se auto justificarem.
Também entediantes e pouco interessantes do ponto de vista visual, as escolhas narrativas do diretor sofrem ainda mais ao não serem aprofundadas ou apropriadamente discutidas pelo texto, e o resultado disso é uma obra que não consegue entreter o espectador ao longo de suas duas horas de duração, muito menos estimulá-lo a realizar reflexões após o término da sessão sobre a linguagem cinematográfica e a capacidade de representação que ela tem. No fim, a única pergunta que o público estará se fazendo é a seguinte: “qual foi a intenção do diretor ao fazer este filme?” Infelizmente, tanto a obra quanto futuros questionamentos não responderão a essa pergunta.
Continuamos desconhecendo o protagonista mesmo depois do filme
Nessa ausência de ligação entre as ousadias narrativas e uma justificativa clara para a existência delas, o que resta, curiosamente, é um filme previsível no qual o espectador logo entende a estrutura do desenrolar de eventos, que consiste em alternar – de forma entediante – entre tempos distintos com a intercalação de números operísticos (alguns são de Mozart) que mais alienam o público do que o envolvem emocionalmente. Além disso, como o filme pretende ser uma típica biografia em alguns momentos, chama atenção o quão raso ele é nessa tarefa, entregando um número pequeno de eventos que, por terem uma natureza sensacionalista, pouco dizem sobre o homem retratado.
Tendo somente a já mencionada montagem e o rico e colorido design de produção como méritos (embora as músicas contidas nos trechos de ópera sejam boas, seu uso é mal trabalhado), Variações De Casanova falha no vazio do seu experimentalismo e das suas estripulias narrativas. Não é comovente e nem artística e historicamente relevante. É somente um fetiche visual e sonoro do seu pouco talentoso diretor. Já entre as obras excêntricas de John Malkovich, está é, sem sombra de dúvidas, a mais fraca delas.