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Um Limite Entre Nós – Discutindo o peso da hereditariedade!

Um Limite Entre Nós e Denzel Washington

Antes de falar do longa Um Limite Entre Nós, é preciso comentar sua fonte. A peça Fences, de August Wilson, estreou na Broadway em 1987 e tinha nos papéis principais os atores James Earl Jones e Mary Alice. A produção ficou em cartaz pouco mais de um ano e foi um sucesso de público e crítica, ganhando vários prêmios no Tony Awards. Já em 2010, ela ressurgiu. Contando com as presenças de Denzel Washington e Viola Davis nos papéis principais, a nova produção também foi muito bem sucedida, sendo a vencedora em várias categorias, novamente no Tony Awards.

Depois de uma terceira interpretação feita em 2013, na Inglaterra e com outros atores nos papéis, Fences ganha vida de novo, dessa vez, como uma adaptação cinematográfica. Após um longo hiato, Denzel Washington volta a dirigir um longa metragem. Além disso, repete o papel que interpretou nos palcos, assim como a sua parceira de cena, Viola Davis.

Um Limite Entre Nós - Denzel Washington e Viola Davis

Um Limite Entre Nós

O protagonista de Um Limite Entre Nós (Fences) é Troy Maxson (Denzel Washington). Casado com Rose (Viola Davis) e pai de dois filhos, ele ganha a vida trabalhando como lixeiro. Ao passo que, aparentemente, mantém uma relação minimamente saudável com os familiares, aos poucos, ele vai se revelando um sujeito rancoroso e intratável.

Claramente, a peça é muito importante para Denzel Washington, e essa paixão do ator pelo texto de Wilson é visível em cada instante da sua atuação. Acostumado ao papel, Denzel (que pôde ser visto recentemente em Sete Homens e um Destino) podia ter ligado o piloto automático, entregando uma atuação genérica e sem muitos atrativos.

No entanto, ele se dedica totalmente ao personagem, oferecendo uma performance voluptuosa. No início do filme, já admiramos o protagonista em razão do imenso carisma e do sorriso contagiante que o experiente ator empresta ao personagem. Nos momentos em que Troy funciona como um alívio dentro da narrativa densa, é o ótimo timing cômico de Denzel que entra em ação .

A partir do instante em que descobrimos o caráter e a personalidade do protagonista, são em alguns dos seus olhares que vemos o homem pelo qual Rose se apaixonou. E quando odiamos o personagem pelas suas fala e ações, é a capacidade hercúlea do ator de usar a própria imagem como um elemento negativo que dá vida aos sentimentos mistos.

Um Limite Entre Nós - Denzel Washington e Viola Davis

Felizmente, essa mesma paixão e voluptuosidade também podem ser vistas na performance de Viola Davis (a Amanda Waller de Esquadrão Suicida), embora a personalidade da sua personagem seja mais linear, sem os altos e baixos vistos na de seu marido. Simbolizada no crucifixo que carrega no peito, a quase santidade de Rose aparece em cada um dos gestos da atriz.

Seja na forma como olha para Troy e os outros personagens, seja no discurso memorável que a sua personagem profere, Viola extravasa apenas bondade e generosidade. O restante do elenco, por sua vez, apesar de aparecer menos tempo em tela, também tem a oportunidade de brilhar, com um destaque especial para a linda composição de Mykelti Williamson.

Entretanto, não é somente no campo das atuações que um dos atores principais se sai bem. Além de interpretar o protagonista da história, Denzel Washington também é o diretor de Um Limite Entre Nós. E uma das coisas mais surpreendentes do filme é a segurança com a qual o cineasta transita entre duas abordagens cinematográficas distintas.

Como não poderia deixar de ser – devido à presença massiva de diálogos no texto original de Wilson – , Denzel não busca esconder o caráter teatral do projeto. Aliás, em alguns momentos, ele e Charlotte Bruus Christensen, a diretora de fotografia, usam planos gerais para abrir o quadro, dar mais liberdade aos atores e criar uma perspectiva similar à do espectador de uma performance teatral.

Um Limite Entre Nós - Denzel Washington e Viola Davis

Porém, o objetivo do cineasta não é o de realizar um teatro filmado. E, para isso, a sua decupagem privilegia planos que aproximam o público dos olhares, gestos e reações dos personagens, um recurso que o Cinema dispõe, mas não o teatro. Além disso, para reforçar a natureza cinematográfica do projeto, há uma sequência belíssima de elipses, cuja intenção é transmitir a mudança de estações e a passagem do tempo de uma maneira orgânica e visual.

Os únicos defeitos de sua condução ficam por conta da pobreza vista na composição imagética de alguns momentos. A cena em que Troy e Rose recebem um telefonema durante uma madrugada chuvosa serve como um exemplo disso. A opção por não acompanhar Rose com a câmera enquanto ela atende o telefone, além do corte abrupto para um crucifixo fixado na parede, soa como preguiçoso e mal trabalhado.

Pais e filhos

No entanto, como em todas as peças de teatro, as atuações e a direção só conseguem se destacar caso tenham em mãos um texto soberbo. E com Um Limite Entre Nós não é diferente. A sexta de uma série de dez peças chamada Pittsburgh Cycle, Fences trata da experiência de uma família afro-americana nos Estados Unidos dos anos 50.

Pertencente à classe operária e enfrentando sérias dificuldades financeiras, a família Maxson vive, praticamente, à margem da sociedade. Simbolizada perfeitamente na ação que se desenvolve na maior parte do tempo no quintal e não na casa dos personagens, essa marginalidade é importante para explicar muitos dos comportamentos e opiniões dos personagens.

Um Limite Entre Nós - Denzel Washington

Porém, a principal intenção do texto de Wilson não é o de fazer um comentário social e sim o de revelar como os rancores e as infelicidades dos pais são transmitidos aos filhos. Nesse sentido, é um drama familiar muito poderoso. Como descobrimos em certo momento da narrativa, Troy teve uma relação extremamente conturbada com o seu pai.

Isso fez com que ele se tornasse uma pessoa rancorosa, e, na ânsia de não repetir os erros do seu genitor, ele foi se tornando cada vez mais parecido com o homem que tanto odiava. Enxergando racismo em todos os lugares (os próprios familiares afirmam que os tempos mudaram) e fazendo questão de criar barreiras entre si e os filhos (daí a alegoria do titulo original do filme), ele acaba por transmitir toda a raiva e o sentimento de fracasso acumulados ao longo dos anos para os filhos.

E, quando chega o terceiro ato, percebemos que, no desenvolvimento do arco dramático do filho mais novo do protagonista, ele também carrega algumas das características que tanto despreza em Troy, nos mostrando que o peso da hereditariedade é um fardo que todos nós carregamos, por mais que façamos questão de negar. Caso o leitor não acredite nisso, a história de Um Limite Entre Nós está aí para provar.

Intenso, poético e, por vezes, perturbador, o novo filme de Denzel Washington, ao contar uma história universal e de imensa carga dramática, tem aquele poder raro de tocar o espectador, fazendo com que ele repense alguns elementos da sua própria vida. Pais sairão do cinema duvidando se estão ou não dando liberdade suficiente para os filhos fazerem as próprias escolhas, e os filhos se perguntarão o quanto de suas personalidades são constituídas a partir das características dominantes de seus pais. Ao se encontrarem em algum lugar depois, pais e filhos terão muito a discutir.

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