Um Homem Só inicia com uma cena peculiar: Arnaldo (Vladimir Brichta) é acordado de supetão pela esposa Aline (Ingrid Guimarães), que lhe imputa a obrigação de transar, já que é seu último dia de ovulação. Logo após tal tomada, vemos a sala do casal repleta de quadros cujos elementos centrais são falos e homens com baldes na cabeça, uma metáfora do melancólico deslocamento de Arnaldo em um meio social no qual ele não mais se reconhece.
Dirigido por Cláudia Jouvin, o filme narra a história deste cidadão, que, cansado, decide ir a uma clínica especializada em clonagem para colocar um substituto em sua vida patética para que ele possa desfrutar de uma outra, em liberdade. Nesta, conhece Josie (Mariana Ximenes) em um cemitério para animais de estimação e lá começa a trabalhar como coveiro.
A premissa do filme não é original, um cidadão cansado das agruras da rotina da sociedade moderna (trabalho, família, alienação) parte para a multiplicação de si a ponto de suprir suas necessidades metafísicas. No entanto, Cláudia Jouvin compõe uma organização de elementos que dialogam entre si, a ponto de trazer à tona outras questões para além da vontade de ser um outro.
A humanização dos animais, o casamento como fonte do desprezo mútuo, o trabalho em que as relações se sustentam pela hipocrisia colocados em oposição ao anseio pela vida plena, o encontro da paixão arrebatadora e o autoconhecimento que retira a máscara das expectativas sociais são fragmentos da narrativa por meio dos quais o espectador é defrontado por uma lógica social dual: ou nos dedicamos a anulação de nós mesmos, a fim de reproduzir uma existência desumanizadora a partir das expectativas dos outros, ou sacrificamos as conveniências em busca de um eu verdadeiro, mesmo dispostos a pagar o preço alto da tentativa da liberdade do ser.
A proposta é promissora e percebe-se que a diretora possui talento para o manejo das sutilezas de uma narrativa que se propõe dramática, porém é no fator comédia que Cláudia Jouvin joga fora a potencialidade do filme. Não que este não renda boas risadas, mas ao não fundir corretamente dramaticidade e comicidade, Um Homem Só se perde na falta do equilíbrio entre estas duas vertentes. Algumas situações cômicas soam por demais forçadas, atrapalhando o desenvolvimento da narrativa e a construção das personagens. Uma briga de casal, um alarme de um carro, uma ofensa a uma colega de trabalho podem ter seus aspectos humorísticos, contudo ficam desperdiçados quando poderiam auxiliar o desenvolvimento do filme.
E por mais que Mariana Ximenes dê à Josie uma personalidade misteriosa e cativante, o roteiro não explora sua profundidade. Se há a proposta dramática de um homem que encontra em uma jovem a intensidade de vida que sempre buscou, há a obrigação do roteirista em ir além de sugestivos relacionamentos catastróficos e a perda de um ente querido dela. Tais pontos de partida são insuficientes e resultam na perda da oportunidade da composição de uma personagem com potencial.
Um Homem Só possui uma reviravolta interessante, que – infelizmente – não tem o efeito esperado justamente pelos problemas já citados. Seus bons momentos se perdem na falta de uma organicidade e unidade narrativa. Caso o espectador queira apenas se divertir ao ver personagens caricatos, circulando em fragmentos de uma narrativa que não aponta para lugar algum, a ida ao cinema valerá a pena. Se quer ver algo com mais unicidade e objetividade, melhor esperar o próximo trabalho da diretora, que demonstra potencial, mas ainda se encontra presa em uma fórmula de comédia global para lá de desgastada.