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Um Homem Chamado Ove – Um começo bom para um filme ruim!

Um Homem Chamado Ove começa bem, mas…

O início de alguns filmes consegue envolver o espectador imediatamente. São começos muito bem construídos, nos quais os personagens e o ambiente que os rodeia são apresentados cuidadosamente, fazendo com que o espectador se relacione rapidamente com a história. No entanto, no restante do filme, eventualmente esse esmero é abandonado, dando lugar a uma sequência avassaladora de equívocos, o que leva o espectador a se perguntar se a equipe responsável pela apresentação inicial foi substituída por uma outra completamente incompetente. Infelizmente, é isso o que acontece com Um Homem Chamado Ove (En Man Som Heter Ove).

Um Homem Chamado Ove

Um Homem Chamado Ove

Ove (Rolf Lassgård), o homem que dá título à obra, é um viúvo rabugento que mantém uma relação turbulenta com os vizinhos. Ademais, o seu cotidiano funciona como o mecanismo de um relógio: sempre acorda no mesmo horário, verifica religiosamente se as regras do condomínio onde vive estão sendo respeitadas, vai ao trabalho e visita regularmente o túmulo da esposa. Certo dia, após ser despedido e deprimido com a vida solitária que leva, ele decide se matar. No entanto, a chegada de novos moradores na casa da frente o impede de cometer suicídio. Além disso, eles serão os responsáveis por fazê-lo repensar sobre valores como os de comunidade, família, generosidade e tolerância.

Perfeitamente realizados, os minutos iniciais do novo filme do diretor sueco Hannes Holm (se você gosta do Cinema feito na Suécia, veja o Formiga Na Tela sobre Deixa Ela Entrar, um dos clássicos recentes do país) nos apresenta ao dia a dia do protagonista de maneira econômica e eficaz. Logo no começo, já sabemos um pouco sobre o personagem, o seu passado e a natureza da sua relação com os vizinhos. Além do mais, eles também são eficientes na hora de estabelecer a atmosfera e o tom agridoce que acompanharão os personagens ao longo da história.

Entretanto, do segundo ato em diante, essa narrativa econômica e eficaz é abandonada, sendo trocada por excessos dramáticos e quase todos os tipos de clichês possíveis de serem imaginados por um roteirista sem talento ou preguiçoso. Toda a sobriedade vista nas primeiras cenas do filme é substituída pelo sentimentalismo barato em cenas banais e surpreendentemente genéricas (momentos em que a relação de Ove com os vizinhos se transforma abruptamente ou a opinião do protagonista muda em decorrência de algum acontecimento específico), aproximando demasiadamente a obra dos chamados filmes “água com açúcar” produzidos em massa por Hollywood.

Um Homem Chamado Ove

Ademais, além de não comover, essa melosidade é prejudicada pela obviedade da trama. Quando percebemos que a rabugice de Ove será posta à prova pela chegada dos novos moradores, logo entendemos que os outros vizinhos que foram apresentados brevemente terão um papel crucial ou periférico na possível mudança de atitude do protagonista. Essa previsibilidade tira todo o potencial cômico ou emocional das cenas. Se o sentimentalismo incomoda por si só, ele poderia ser aliviado se a trama do filme guardasse alguma surpresa para o espectador (há uma revelação sobre a morte da esposa de Ove que pouco contribui para a narrativa), mas, lamentavelmente, não é isso o que acontece.

O filme também erra ao adotar uma estrutura repetitiva. Escrito pelo próprio Hannes Holm (a partir de um romance homônimo de Fredrik Backman), o roteiro de Um Homem Chamado Ove investe numa lógica entediante que logo exaure o espectador. Durante uma parcela de tempo considerável, o que se vê é um vaivém cansativo que alterna as tentativas de suicídio do protagonista com os acontecimentos que o impedem de se matar. Assim, nos momentos em que vemos Ove tentando se asfixiar dentro do próprio carro ou usando de qualquer outro meio estapafúrdio para acabar com a própria vida, sabemos que algo ocorrerá e o personagem terá de adiar os seus planos.

Aliás, há um outro componente presente no roteiro escrito por Holm que chama atenção negativamente: a indecisão do roteirista sobre como mostrar os flashbacks. Inicialmente, o melhor recurso usado é o de introduzir as lembranças durante os momentos em que Ove tenta se matar (o famoso caso da “Vida passando diante dos olhos da pessoa que está prestes a morrer”). Porém, depois, os flashbacks começam a ser jogados dentro da narrativa, sem que haja uma equivalência entre a memória de determinado acontecimento e a situação atual enfrentada pelo protagonista. E é uma pena que algumas dessas lembranças não consigam se conectar naturalmente com o desenrolar da trama, pois os instantes que mostram o passado do personagem são os mais prazerosos de acompanhar.

Um Homem Chamado Ove

Uma tentativa deplorável de passar uma mensagem politicamente relevante

Também abrindo portas para possíveis interpretações políticas, o filme pode até ser visto como uma metáfora do momento atual da Europa. Há na obra, inserida sub-repticiamente, uma analogia que enxerga Ove como uma Europa mórbida e decadente que se recusa a abraçar o estrangeiro, o homossexual e o progresso. Contudo, além de ser incondizente com a realidade europeia dos dois últimos séculos (todos sabem que a situação é muito mais complexa do que isso), essa leitura só acontece porque o roteiro do filme apresenta situações descartáveis e superficiais para tentar dar mais estofo intelectual à história (o personagem gay que surge somente para ser esquecido instantes depois) ou comentários avulsos sobre a raça da personagem interpretada por Bahar Pars. Essa interpretação podia até ser discutida, mas os recursos narrativos usados para introduzí-la são tão deploráveis que enxergar além seria dar ao filme mais do que ele merece.

Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (assim como Toni Erdmann e O Apartamento) e ao prêmio de Melhor Maquiagem (não me pergunte o porquê, pois não há nada no trabalho feito por esse departamento no filme que mereça a indicação), Um Homem Chamado Ove é competente nos seus aspectos técnicos, e a atuação de Lassgård é brilhante, mas, ao dar as costas para o filme que aparentava ser e ter escolhido o caminho da emoção fácil e manipulação sentimental, traiu o seu possível caráter introspectivo e se transformou em uma obra banal, destinada a ser facilmente esquecida.

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