Truque de Mestre 2 e a arte do ilusionismo na vida real
São muitos os motivos que justificam o fascínio humano pela mágica. Nas fantasias infantis, nas histórias fantásticas ou no show de televisão, a mágica se apresenta com uma maneira de questionar nossas certezas, de desestruturar nossas percepções, de mostrar como o mundo pode surpreender, mesmo quando estamos preparados para as mais malucas surpresas. Calma, pois já chegaremos, de fato em Truque de Mestre 2.
No mundo real, a mágica está longe da potencialidade dos sonhos e profundamente mergulhada na crueza da sanha caça-níquel do interesse mundano: seja como atração nas ruas das grandes cidades para surrupiar o dinheiro do turista desatento ou em espetáculos ilusionismo, que podem arrecadar milhões com o desaparecimento de aviões ou fugas impressionantes. De Houdini a David Copperfield, sempre haverá talentos dispostos a seduzir pela mentira e enganação, com o porém de que os enganados estão voluntariamente dispostos a isso.
O lado mesquinho e ardiloso da magia é o que envolve Truque de Mestre: O Segundo Ato (Now You See Me: The Second Act), ou simplesmente Truque de Mestre 2, sequência do popular filme de 2013 sobre a trupe de ilusionistas que parece cometer crimes mirabolantes contra pessoas e instituições poderosas, para depois jogar o dinheiro roubado para a plateia ensandecida, como uma espécie de Robin Hood pós-moderno. Esse envolvimento não está evidente apenas no enredo da produção, mas na própria constituição do filme em si. O diretor Jon M. Chu (G.I. Joe – Retaliação) usa e abusa dos recursos do desvio de atenção, tão importantes para o sucesso de um truque de mágica, para levar o público a crer que está diante de um bom filme. Não consegue.
Quando falamos em desvio de atenção, não estamos necessariamente nos referindo ao que o filme tem de bom. Assim, no primeiro ato, temos uma bela fotografia, uma trilha sonora envolvente e um elenco quase todo afinado e que parece se divertir em cena. O grande truque está em sustentar as duas horas de filmes na tática da surpresa do público, que tanto dera certo aos olhos dos produtores do primeiro Truque de Mestre, dirigido por Louis Leterrier (O Incrível Hulk, os dois Fúria de Titãs e os dois primeiros Carga Explosiva).
Aqui a estratégia se aprofunda, buscando surpreender a plateia a ponto de quase não deixá-la respirar, com voltas, revoltas e reviravoltas a cada dez minutos de projeção. Em ritmo frenético, o que pode até soar divertido para adolescentes em busca de distração, na verdade serve apenas para ofuscar as graves falhas de roteiro, muito mais preocupado em surpreender e criar momentos de impacto do que trazer uma historia coerente e interessante.
Pouco se pode dizer do enredo de Truque de Mestre 2 sem cair na tentação do spoiler. Um ano depois dos acontecimentos do primeiro filme, os Quatro Cavaleiros vivem escondidos sob a proteção de seu mentor Dylan Rhodes (Mark Ruffalo, de Mesmo Se Nada Der Certo). Daniel Atlas (Jesse Eisenberg, de Batman Vs. Superman) está perturbado com a falta de orientação do Olho para escapar do ostracismo em que se encontra e buscar a liderança que tanto almeja. Durante um novo grande golpe, o grupo cai numa armadilha do jovem magnata Walter Mabry (Daniel Radcliffe, de Victor Frankenstein) que deseja roubar um valioso chip de computador capaz de lhe dar poder ilimitado. Enquanto isso, Thadeus Braddley (Morgan Freeman), planeja sua vingança contra os inimigos.
Divertido e só
Bom, a partir daí, o filme entra em uma espiral de acontecimentos que não permite a quem assiste pensar muito. Também pudera! Qualquer progresso em um raciocínio sincero perceberia o quão sem sentido a narrativa se constrói. No entanto, todos os equívocos de roteiro são justificados pela cortina de fumaça da mágica. Truque de Mestre 2 não perde tempo em explicações tolas. A começar pela presença da personagem Lola (Lizzy Caplan), que substitui Henley Reeves (Isla Fisher) do filme anterior, que simplesmente “pulou fora”, segundo os poucos personagens que ousam justificar seu desparecimento nos rápidos segundos de explicação. Nada de perder tempo!
Lizzy, infelizmente, tem um desempenho estupidamente inferior aos de seus colegas, resultado de encarnar uma personagem que, evidentemente, não foi escrito para ela, levando a um resultado constrangedor, digno de novela em crise de audiência no horário nobre. Explicações não faltam, contudo, para tentar dar sentido às mágicas mirabolantes engendradas por vários personagens, algumas das quais beiram o ridículo ao zombar da inteligência alheia. Subtramas como a relação de Merrit (Woody Harrelson) com o irmão gêmeo, ou o humor caricato de Mabry, não engrenam e servem apenas para infantilizar o filme.
Ed Solomon roteirizou os dois exemplares desta série. O roteirista participou de míticos sucessos do público adolescente, como MIB – Homens de Preto (1997) e As Panteras (2000). No atual filme, optou por fazer dele uma sequência indissociável do antecessor, tornando obrigatório assistir ao primeiro episódio, sob pena de não entender nada o que acontece neste segundo.
Truque de Mestre: O Segundo Ato é uma daquelas sequências que sabíamos que seria feita, mas não faria falta se fosse descartada ainda na fase de brainstorm. O primeiro está muito, muito longe de ser um grande filme, mas funciona melhor que a continuação e teria um efeito melhor se permanecesse como trabalho isolado, visto que as surpresas são as pedras de sustentação da trama. Em suma, um elenco em sua maioria afinado, bons efeitos especiais e fotografia envolvente podem ajudar a digerir o roteiro capenga e forçado. Um grande truque conhecido por cineastas do mundo todo e das mais variadas vertentes, é jogar os olhos do espectador pra uma direção para esconder a realidade, seja ela uma boa surpresa da trama ou um filme divertidinho e nada mais.