A Lista Negra de Hollywood é uma mancha não apenas na indústria do entretenimento, mas em toda a História dos EUA. Criada ainda no fim da década de 1940, com o intuito de boicotar qualquer ativista ou mero simpatizante ao comunismo, as pessoas que tiveram seus nomes incluídos nela foram impedidas de exercer suas profissões, fato que destruiu carreiras e vidas. É uma nódoa tão indelével quanto os anos mais repressivos da nossa própria ditadura, e caso seja a primeira vez que você ouve falar do caso, é interessante comentar um pequeno incidente relacionado, antes de partir para o assunto principal.
Em 1999, o cineasta Elia Kazan recebeu um Oscar honorário pelo conjunto da obra. No vídeo abaixo, a partir de 1:32, perceba que a reação de muitos presentes não demonstra muita satisfação:
O motivo foi o envolvimento direto do lendário diretor na Lista Negra, mas como delator, entregando nomes de profissionais do ramo ligados ao Partido Comunista. Isso mostra o peso que esses eventos têm na comunidade artística hollywoodiana, logo, um filme cobrindo essa época e centrado em sua figura mais combativa só pode ser um esforço a ser conferido. Por esse detalhe, Trumbo: Lista Negra (Trumbo) já se apresenta como uma boa iniciativa.
Dalton Trumbo foi um dos roteiristas de maior prestígio da Hollywood clássica. Assumindo sua posição política, comprou briga com gente influente e sectária, como John Wayne, estando entre os dez profissionais que cumpriram pena, a partir de 1948, por ligações com o Partido Comunista. Após a libertação, a solução para burlar o boicote era trabalhar usando amigos como fachada ou através de pseudônimos . O eterno Walter White, Bryan Cranston, tem aqui um papel que parece mirar em um Oscar, ainda que não envolva alguma grande transformação física, mas o biografado tem moral para atrair a simpatia geral. Deixando isso de lado, o ator se entrega com a competência habitual, mas não há muito o que fazer quando o roteiro, escrito por John McNamara a partir do livro de Bruce Cook, segue o caminho padrão das cinebiografias, com uma narrativa linear e didática, além de uma ordem previsível de acontecimentos. Bem possível que o projeto já tenha sido encomendado assim.
A direção de Jay Roach não ajuda. É difícil entender sua escalação para este filme, já que ele á conhecido por comédias como as franquias Austin Powers e Entrando Numa Fria. Trabalhando com um texto engessado, sem muito espaço para a sutileza e ambiguidade do seu protagonista e suas convicções políticas, ele entrega algo que lembra uma minissérie de TV, das antigas, sem qualquer esforço estético evidente, o que faz o filme parecer mais longo. A fotografia de Jim Denault não faz muito para diminuir essa impressão.
Felizmente, apesar de tudo isso, o filme não chega a ser ruim. Com Cranston na linha de frente, o elenco é de respeito e entrega boas performances, com exceção do comediante Louis C. K., cuja composição do personagem é exatamente como o vemos na TV ou em outras pequenas participações do cinema. Helen Mirren, como a ferrenha anti-comunista Hedda Hooper, e Michael Stuhlbarg, interpretando Edward G. Robinson, um dos ícones dos filmes de gângster, tem atuações destacadas neste meio. Em uma visão geral, ainda existe o valor da história que é contada em Trumbo, que já é bastante interessante por si mesma e acaba valorizando um conjunto um tanto desarmonioso. Apesar de citar muito por cima algumas contradições do personagem principal, é sempre interessante e oportuno tocar no assunto da perseguição Macartista dentro da indústria do cinema, ainda mais dentro de um filme.
Indicado para os interessados nos bastidores do cinema norte-americano clássico, Trumbo: Lista Negra também faz o favor de apresentar esta personalidade e seu trabalho para um público mais amplo. Concordando ou não com sua ideologia, Dalton Trumbo merece respeito e admiração pela sua obra, como qualquer um pode atestar apenas com Johnny Vai à Guerra, sua única experiência como diretor adaptando seu próprio livro. Pena que isso nem é citado no filme…