Entre todos os gêneros existentes, considero o infantil o mais desafiador, pois criar uma narrativa em que prenda o público mais velho, ao mesmo tempo em que não trate criança como idiota, é um belo desafio. Cegonhas, lançado há pouco tempo, falhava em chamar a atenção de quem leva as crianças ao cinema, que o consideraram uma animação boba. Já esse Trolls (Idem), o novo trabalho da DreamWorks, acerta em mostrar um universo evidentemente infantil, mas bem desenvolvido e chama a atenção de quem já passou da idade do público-alvo.
Os trolls são pequenas criaturas bonitinhas e alegres, que cantam, dançam e dão festas (no primeiro diálogo do longa, já fica claro que é nisso que eles são bons). Mas, além dos deles, existem os bergens, que são o oposto: seres muito tristes de aparência monstruosa. O longa começa quando a princesa dos trolls, Poppy (Anna Kendrick), decide salvar os seus amigos, que foram raptados pelos bergens. Esses acreditam que a felicidade pode ser alcançada depois de comer uma das pequenas criaturas. Junto com Tronco (Justin Timberlake), um troll mal humorado, Poppy irá fazer de tudo pra salvar os seus amigos e aprenderá com o seu amigo que nem sempre a vida pode ser alegre o tempo todo.
A história do longa é bem simples, mas é um roteiro que acerta em vários pontos. Primeiro por ser uma narrativa coesa e ágil, apresentando muito bem a lógica do seu universo e as motivações dos seus personagens. Todos são muito carismáticos e bem desenvolvidos, com o destaque por conta da dupla protagonista. Poppy e Tronco apresentam características opostas: enquanto a princesa é alegre e sempre vê o lado positivo das coisas, o seu parceiro tenta mostrar a ela que nem tudo é motivo de alegria. A química entre os dois acaba se transformando em uma jornada de maturidade e isso enriquece os personagens. A maioria deles passa por essa trajetória, com exceção da vilã Chef (Christine Baranski), que se mostra mais uma caricatura e perde em desenvolvimento.
Sobre a lógica do universo apresentado, um ponto mais bem resolvido diz respeito aos números musicais (sim, eles literalmente cantam). Como fica bem claro no começo do filme quais são as características dos trolls, nos acostumamos ao fato deles cantarem. Mas não é como vários outros musicais, onde a narrativa para só para o pessoal cantar, pois os personagens cantam um para o outro como se fosse algo natural, com as músicas acrescentando algo à história. Além disso, existem ótimos momentos cômicos pelo fato de Tronco ser mal humorado e não querer cantar.
Continuando na trilha sonora, essa merece ser comentada. Assim como em Moulin Rouge essa, é feita por músicas pop variadas, que funcionam de maneira pontual para agregar à narrativa. Entre as faixas da trilha temos Clint Eastwood (Gorillaz), Sound of Silence (Simon & Garfunkel), Hello (Lionel Richie) e September (Earth, Wind & Fire). Enfim, uma trilha deliciosa que funciona muito bem.
O visual também merece atenção. Além da animação muito bem feita, com ótimas expressões faciais, a própria direção de arte acerta na criação daquele mundo. Mesmo sendo um ambiente com as suas ameaças, a maioria do cenário sempre é muito colorido e bonito. Até as criaturas mais ameaçadoras são bonitinhas na concepção. O cuidado visual da cidade do bergens também consegue transmitir como o lugar é infeliz e amargurado, criando um belo contraste. Nestas questões, Trolls é muito bem pensado, seja na concepção ou no uso das cores, mesmo tendo um significado bem óbvio. São cores fortes e bem quentes que salientam a alegria dos pequenos.
Quanto a dublagem brasileira (pois a versão original não foi exibida à imprensa), foi feito um ótimo trabalho de tradução e adaptação. A cantora Jullie e o ator Hugo Bonemer ficaram encarregados em dublar, respectivamente, Poppy e Tronco. Como ambos são cantores e tem experiência na área, o resultado fica bem verossímil. além de ambos mostrarem uma ótima química. Não há muito que dizer de Hugo Gloss, pois o seu personagem fala muito pouco e, quando o faz, a sua voz está com efeitos, então fica difícil de avaliar. A tradução da maioria das músicas é muito boa e não incomoda.
Eu só diria que o único problema está no final do terceiro ato, pois chega em um determinado momento quando tudo fica muito exagerado e se apressa para chegar a sua conclusão. Concluindo, Trolls não entra na turma das grandes animações da Dreamworks, mas é um longa leve, fofo e alegre, assim como os personagens. Acredito que a ingenuidade e a leveza do filme vai deixar o público satisfeito.