Existem filmes bons e filmes ruins, e entre esses, há os que dão certo – em termos comerciais – e os que fracassam. Muitas vezes, por conta da falta de ousadia que, supostamente, garante o sucesso financeiro de um filme, a figura do produtor é uma das mais atacadas por um público decepcionado com o resultado. Essa é a prova de que não há uma fórmula infalível de sucesso na bilheteria, já que grandes investimentos também naufragam às vezes, assim como filmes pequenos inesperadamente rendem rios de dinheiro, e o produtor é sempre o demônio da equação. Quando essa função é ocupada por algum realizador bem-sucedido, a captação de recursos e viabilização do projeto é bem mais fácil, e no caso de Transcendence, temos o consagrado diretor da trilogia O Cavaleiro das Trevas, Christopher Nolan, produzindo a estreia na direção de outro profissional de destaque, seu colaborador de longa data. Wally Pfister foi o responsável pela fotografia dos filmes de Nolan, desde Amnésia até O Cavaleiro das Trevas Ressurge, o que prova que ele é muito talentoso nesta função, mas e quanto a dirigir atores e conduzir uma história? Chegaremos lá.
Transcendence mostra um casal de cientistas, Will e Evelyn Caster (Johnny Depp e Rebecca Hall), envolvidos na criação de um tipo de inteligência artificial revolucionária, junto ao amigo, também pesquisador, Max (Paul Bettany). Graças a um atentado, cometido por um grupo radical contrário ao domínio da tecnologia, Will está com os dias contados, o que leva sua esposa e seu amigo a tentarem transferir sua consciência para a máquina em que trabalhavam. Com Will agora vertido em uma espécie de software senciente, as intenções deste novo tipo de criatura vão aos poucos se mostrando, assim como seu alcance e capacidades reais. Essa premissa é atrativa para os fãs de ficção científica, mas as implicações morais e filosóficas desta questão poderiam ter rendido muito mais, caso o roteiro do estreante Jack Paglen tivesse um desenvolvimento melhor, e isso falando dele como um todo. Infelizmente, a impressão passada é que a inspiração foi gasta na elaboração da ideia principal, sem saber o que fazer de verdade a partir dela, pois as coisas descambam para demonstrações de poder sem sentido e situações que pecam pela falta de verossimilhança. A opção de contar a história em flashback também é um problema, pois isso é feito sem muito cuidado e o final é facilmente intuído a partir da cena inicial.
Se o roteiro não ajuda muito, a inexperiência de Pfister é um agravante a mais. Além de não conseguir criar nenhum tipo de empatia ou tensão durante o filme, o cineasta ainda desperdiçou o bom elenco que tinha à mão. Johnny Depp cai no exagero caricatural – clichê em personagens cientistas – durante a apresentação de seu personagem, mas essas características desaparecem logo em seguida, uma falha que não deve ser creditada ao ator. Além do trio principal, Cillian Murphy e Morgan Freeman – presenças comuns nos filmes de Christopher Nolan – são indiscutivelmente ótimos atores, porém, sem muito que fazer ali, e a inexpressiva Kate Mara (do seriado House of Cards) também sofre com um papel bem pouco desenvolvido. Era de esperar, pelo menos, que o filme tivesse um visual espetacular, em termos de fotografia, mas não é o que acontece. São poucos momentos dignos de nota e que chamam atenção nesse sentido. A trilha sonora de Mychael Danna em alguns momentos evoca Hans Zimmer, e talvez apenas por isso eu me sinta obrigado a cita-la.
Tecnicamente falando, é isso, mas cabem considerações a mais sobre o que leva uma produção como essa para frente. São $ 100.000.000 entregues a um diretor sem experiência na função, para filmar um roteiro de alguém também estreante, cujo texto não passou por outro tratamento nas mãos de outro roteirista, como é prática comum em Hollywood. Qual é a lógica de um empreendimento como esse? Sim, o filme fracassou financeiramente, e acho incrível que ninguém tenha previsto um desfecho assim com todas essas cartas na mesa. Aqui, sou obrigado a defender a presença de um produtor que pedisse uma boa recauchutada neste roteiro, só para começar, mas Nolan parece ter exercido a função – juntamente com sua esposa, Emma Thomas – apenas para que seu nome aparecesse no trailer e na publicidade em geral. Parece lógico concluir que foi uma presença vital para que o filme acontecesse, e só, mas Wally Pfister precisava de um pouco mais que isso.
Será que alguém aprendeu uma lição valiosa neste processo? Espero que sim, pelo bem da ficção científica no cinema…
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