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Todas As Manhãs Do Mundo – A National Geographic nos cinemas!

Todas As Manhãs Do Mundo é um documentário correto

O documentário Todas As Manhãs Do Mundo faz parte de um seleto grupo de filmes que se caracterizam pela cautela com que são realizados. Estou falando de obras que, de tão fiéis aos padrões técnicos e narrativos estabelecidos, acabam por não chamar atenção positiva ou negativamente. É como se elas tivessem seguido à risca algum manual cinematográfico. No entanto, no longa em questão, há um elemento desconcertante que o aliena de outras obras similares: não há nada em sua execução ou proposta que justifique o fato de ser exibido nas salas de cinema.

Todas as Manhãs do Mundo é uma série da Natgeo que virou longa metragem

Todas as Manhãs do Mundo

Dirigido pelo documentarista Lawrence Wahba (que também é repórter cinematográfico e mergulhador profissional) e a cineasta Tatiana Lohmann (um nome conhecido na produção audiovisual brasileira), o filme, ao longo de uma curta duração (são 84 minutos apenas), dedica a sua narrativa a nos mostrar alguns lugares específicos do Mundo. Ancorados pelos comentários irreverentes e didáticos do Sol (Aílton Graça) e da Água (Letícia Sabatella), temos a chance de acompanhar o amanhecer e conhecer um pouco da flora e da vida animal de localizações ricas em diversidade e que fazem parte de diferentes continentes, hemisférios e regiões do globo.

Concebido e realizado como uma minissérie de cinco episódios a ser exibida no National Geographic Channel, o projeto teve a sua duração encurtada para ser transformado em um longa metragem. No entanto, isso não acabou prejudicando o resultado final da obra. Com a exceção da visão exageradamente negativa que o filme tem sobre o homem (a relação deste último com a natureza é muito mais complexa do que a apresentada aqui) e da aparente arbitrariedade com que as regiões e os tipos de vida foram escolhidos (me vi perguntando se a seleção daquilo que estava vendo era, de fato, mais fascinante que outras coisas que o projeto optou por não mostrar), o filme é correto em sua abordagem, isto é, todas as convenções reconhecidas pelos teóricos como suficientes para a realização de um bom documentário televisivo são fielmente respeitadas.

Sendo assim, do ponto de vista técnico, tem-se, através de um trabalho de câmera cuidadoso, corajoso e plasticamente belo, a oportunidade de assistir de perto ao dia a dia fascinante de animais perigosos e inteiramente distantes do nosso cotidiano e daquilo que chamamos de civilização; do ponto de vista narrativo, por sua vez, além do conteúdo informado ser suficientemente esclarecedor, o ritmo, na sua alternância entre os momentos urgentes e contemplativos, transforma o documentário em uma experiência envolvente e não em uma aula de Biologia sem vida e entediante (todas as características destacadas neste parágrafo são muito comuns em produções feitas para canais como o National Geographic e o Discovery).

Todas as Manhãs do Mundo é uma série da Natgeo que virou longa metragem

Porém, o filme também acha espaço para introduzir um componente original. Em vez de colocarem um narrador qualquer e, assim, transformarem as partes sonoras e textuais do filme em elementos banalmente trabalhados, os realizadores tiveram a ótima ideia de tornar o Sol e a Água os condutores da narrativa, guiando o espectador pelas diferentes paisagens e formas de vida que lhe são apresentadas. E, apesar de alguns comentários soarem exagerados e desnecessários em razão das composições vocais da dupla principal, uma parte do caráter poético e metafísico do filme é adquirida através das falas dos dois personagens.

Até pode-se dizer que apresentar apenas um elemento original é muito pouco para uma produção que quer se inserir num montante considerável de projetos que, além de serem tecnicamente parecidos, abordam assuntos idênticos e de uma maneira similar. Mas afirmar isso seria injusto. Em obras cuja intenção é claramente ser didática, qualquer tentativa de fugir do simples e do informativo pode fazer com que o filme incorra no risco de se afastar do objetivo principal, criando um desequilíbrio entre a originalidade da forma e o didatismo do conteúdo. Desse perigo, felizmente, Todas As Manhãs Do Mundo consegue escapar ileso. Na verdade, o seu problema é outro.

Um filme sem propósito cinematográfico

O leitor mais atento deve ter percebido que no subtítulo acima usei a palavra “cinematográfico” com um propósito claro. O emprego deste termo (que diz respeito a tudo aquilo que é relacionado ao Cinema) tem a intenção de contrastar com as menções feitas aos canais de televisão nos parágrafos anteriores. Pois, o problema definitivo em Todas As Manhãs Do Mundo é o de não ter motivo algum para ter saído televisão e ido direto aos cinemas. Por mais correto que seja, o documentário é muito parecido com tantos outros que o público já cansou de ver nas telinhas. Não há quase nada nele que o faça se destacar de obras similares produzidas regularmente.

Todas as Manhãs do Mundo é uma série da Natgeo que virou longa metragem

Assim como algumas comédias brasileiras que mais parecem um episódio de televisão estendido que um longa metragem (vide o horroroso O Amor No Divã) e documentários com problemas estruturais (como o recente Era o Hotel Cambridge), o filme de Lawrence Wahba e Tatiana Lohmann, ao adotar uma lógica narrativa idêntica à de programas de televisão tão familiares ao espectador, não consegue escapar da sua natureza claramente televisiva. Nos dias de hoje, em que há a oportunidade de ter em casa televisões cada vez maiores e compatíveis com as tecnologias 3D e 4K, por que o espectador se daria ao trabalho de ir ao cinema quando ele pode assistir ao mesmo conteúdo apenas apertando um botão no controle remoto?

Esse, infelizmente, acaba sendo o calcanhar de Aquiles da produção. Mesmo com méritos – e eles existem em bom número -, a obra, quando tem o seu objetivo artístico colocado à prova, não consegue justificar a sua natureza falsamente cinematográfica. Se estivesse na programação de um canal de televisão, poderia ser considerada quase perfeita. Mas, ao tentar a sorte nos cinemas, falhou na hora de tentar ser diferente e fazer com que o espectador tenha o interesse de sair de casa para se engajar numa experiência que ele poderia ter no conforto do próprio sofá.

Apesar de contar com um interesse atual das pessoas no assunto que aborda (até o grande Terrence Malick dirigiu uma produção sobre a Natureza e a origem dela – veja o trailer), ainda assim, o filme, dificilmente, interessará ao público. No final, a obra será lembrada apenas como mais uma boa produção televisiva.

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