The Post: A Guerra Secreta fala sobre um dos momentos mais famosos do jornalismo norte-americano
Em The Post: A Guerra Secreta (The Post), Steven Spielberg e os roteiristas Josh Singer e Liz Hannah tiveram de fazer para si mesmos uma pergunta que já abordei em outros textos: como tornar interessante para o público uma história cujo final é amplamente conhecido? Outros filmes sobre jornalismo (como Todos os Homens do Presidente e Spotlight: Segredos Revelados) enfrentaram esse mesmo problema e responderam da seguinte maneira: explorando e ressaltando cada etapa da profissão, desde a fonte inicial que sussurra uma matéria bombástica até os momentos finais em que a história é publicada, passando por cada anotação, telefonema, entrevista e viagem feita no meio do trabalho.
Já no seu novo filme, Spielberg e a dupla de roteiristas optaram por uma via diferente. Se desenrolam duas histórias paralelas em The Post: A Guerra Secreta . Na primeira delas, o espectador acompanha o dia-a-dia do jornal The Washington Post e as dificuldades do seu editor, o famoso Ben Bradlee (Tom Hanks, visto recentemente em Sully: O Herói do Rio Hudson), em achar uma matéria ou história capaz de elevar o jornal — que, até então, possuía um raio de influência apenas regional — a um outro patamar . Isso muda completamente quando documentos oficiais do Pentágono sobre a Guerra do Vietnã caem em suas mãos e ele e os outros jornalistas têm de tomar a difícil decisão de publicá-los.
A segunda história, por sua vez, está relacionada com a primeira, mas gira em torno de Kay Graham (Meryl Streep, de Caminhos da Floresta), a dona do The Washington Post (a posição de chefia foi herdada depois que o pai e o marido faleceram). Buscando maneiras de manter o jornal aberto, ela decide tornar as finanças da empresa públicas e abri-las para capital externo, uma decisão que lhe obriga a ser a única mulher em ambientes dominados por homens e encarar de frente as duras realidades dos mundos empresarial e também jornalístico, uma vez que muitas decisões editoriais acabam passando por ela (a principal, inclusive).
O gênero cinematográfico no qual tudo isso se desenrola é o thriller político. The Post: A Guerra Secreta está repleto de movimentos de câmera, planos filmados com steadicam e cortes frenéticos. A intenção por trás dessas escolhas parece ser a de entregar uma narrativa urgente, na qual a sucessão de acontecimentos não deixa o público ficar desatento e há sempre a impressão de que inúmeras coisas estão acontecendo simultaneamente. Importante lembrar que essa sensação não é adquirida somente por esses efeitos técnicos, mas também pela estrutura do roteiro.
Em relação ao sentimento e temas presentes no longa, a chave na qual as duas histórias operam é a da homenagem. Ao passo que a primeira é uma ode ao jornalismo e à liberdade de imprensa (o lançamento do filme foi pensado para casar com a polêmica envolvendo o presidente norte-americano Donald J. Trump e alguns canais de mídia do país), a segunda é um hino sobre a força e independência femininas, valores representados na figura de Kay.
Em vários momentos, os jornalistas responsáveis pela publicação dos documentos e a personagem interpretada por Meryl Streep são filmados em contra-plongée (o que é uma forma de glorificá-los) e com um distanciamento por parte de Spielberg. A cena em que Kay e Bradlee se encontram pela primeira vez é um longo plano em que se torna quase possível sentir o prazer com que as personagens e os atores estão sendo captados pela câmera (claramente, muitos veem em Hanks e Streep uma espécie de reedição da parceria Cary Grant e Katherine Hepburn). Isso sem falar nas luzes estouradas da fotografia de Janusz Kaminski, que dão aos ambientes uma atmosfera mágica.
As derrotas da guerra
No entanto, apesar de parecem teoricamente interessantes, são justamente essas escolhas que limam todo o potencial de Post: A Guerra Secreta. A história narrada é extremamente cinematográfica. Os filmes mencionados no primeiro parágrafo, principalmente a obra-prima Todos os Homens do Presidente, provam que o jornalismo é um excelente tema para ser abordado no cinema. Porém, ao optar pelo thriller e a homenagem direta, Spielberg e a sua equipe transformaram o longa em um veículo para lições de moral e mensagens humanitárias. A embalagem é bonita e, na maior parte do tempo, tecnicamente competente, mas, do ponto de vista dramático, não tem muito estofo.
A velocidade com a qual a narrativa se desenrola acaba por transmitir a sensação de que tudo é muito fácil e obtido sem grandes esforços. A batalha travada contra o The New York Times pelos documentos (e que constitui os melhores momentos do filme), por exemplo, é rapidamente solucionada quando o jornalista interpretado por Bob Odenkirk lembra que talvez tenha trabalhado com o sujeito responsável pelo roubo federal. Isso se dá em minutos e em instante algum há a impressão de que os esforços não serão recompensados
Isso piora consideravelmente quando as pieguices típicas do diretor começam a proliferar. Até nos momentos dramáticos mais efetivos (como os nervosos minutos finais), a necessidade de pintar todos que se opõem à publicação como vilões e os que estão a favor dela como heróis inatacáveis revela uma visão de mundo infantil e uma cegueira completa diante da situação. Além disso, os dois personagens principais são seres unidimensionais e que dependem totalmente do carisma de seus intérpretes para funcionarem e a mise-en-scène carece de inspiração (a brincadeira com a bola de uma garotinha é assustadoramente ruim). Em suma, o que importou mais para os realizadores foi a mensagem transmitida e não o filme como um todo.
Ora, naquilo que é gritado ou imposto forçadamente não há sutileza e o que não tem sutileza e complexidade é um produto de consumo rápido e esquecível. The Post: A Guerra Secreta apela constantemente às emoções fáceis e à superficialidade. Os fatores humano, social e cultural são tratados como invólucros de um comentário geral que poderia ser feito também em outras circunstâncias. Entretanto, se as bases de uma mensagem são frágeis, ela é recebida de maneira diluída. E não é aumentando a trilha sonora composta por John Williams ou filmando solenemente discursos edificantes que essa lacuna será preenchida.