Terra Selvagem é um western revisionista
Com Terra Selvagem (Wind River), Taylor Sheridan dá continuidade aos seus estudos sobre a chamada “América profunda” dos dias de hoje. Começou com Sicário – Terra de Ninguém, onde era abordada a questão do tráfico de drogas na fronteira entre o México e os Estados Unidos. Continuou com A Qualquer Custo, onde certas tradições norte-americanas foram revitalizadas a partir da crise financeira que assolou o país na década anterior. O novo filme tem o assassinato de uma nativa-americana, que serve como estopim para uma análise comovente das tensões entre o homem branco e a população indígena.
Contando com a presença marcante de Jeremy Renner (de A Chegada) no papel principal e uma participação competente de Elisabeth Olsen (vista recentemente em Vingadores: Era de Ultron) como uma agente do FBI, este segundo longa-metragem de Sheridan como diretor (o primeiro foi o filme de terror Vile) mostra um claro avanço na complexidade com que o cineasta/roteirista enxerga o seu país de origem. Este olhar enfoca as relações humanas em regiões marcadas por um passado sangrento de colonização, luta por terras, genocídio, opressão, intolerância e uma austeridade que se reflete na conduta e visão de mundo dos homens.
Assim, se no filme de 2015 o cenário pintado pelo artista era desesperançoso e excessivamente calcado em maniqueísmos comportamentais, e o longa de 2016, demasiadamente óbvio e parcial no retrato do texano, na obra atual, Sheridan enxerga todos os lados. Em um bonito exercício de empatia, compreensão e conciliação, ele não está apenas defendendo a causa indígena (da qual é um dos principais ativistas), como também buscando entender a culpa sentida pelos filhos dos colonizadores e imigrantes, tanto no personagem de Renner – que, ciente de sua posição de predador, sabe quais são os sentimentos das vítimas – quanto na personagem de Olsen, uma garota urbanizada tendo a oportunidade de conhecer uma das faces mais características dos Estados Unidos.
Aliás, esse conhecimento dos instintos básicos e das principais características formadoras da identidade estadunidense são, acima dos diálogos afiados e diagnósticos sociais tão caros ao roteirista, o maior talento de Sheridan. Em A Qualquer Custo, isso já estava presente na iniciativa dos irmãos interpretados por Chris Pine e Ben Foster de recuperar as terras tomadas pelo banco através de ações ilegais (os foras-da-lei justiceiros são profundamente norte-americanos) e superar a pobreza transmitida hereditariamente (em um dos comentários mais brilhantes do filme).
Já em Terra Selvagem, isso se dá através da Lei de Talião. Habitantes de Wind River, região insípida e montanhosa do estado de Wyoming, onde a gelidez e ausência de uma organização social mais efetiva criaram pessoas frias e vacinadas contra as injustiças da vida, os personagens não recorrem a nenhum tipo de assistência social ou política. Pelo contrário. Entendem que nas terras de ninguém do território norte-americano é a lei do mais forte que prevalece. E o fato de Sheridan olhar para essa realidade sem demagogia ou moralismos baratos serve para nos mostrar o quão ele é ciente da história e do cinema americanos.
Por trás das câmeras
No entanto, falar dos talentos de Sheridan como roteirista se tornou um lugar-comum. Como diretor, por sua vez, ainda é novidade, uma vez que ele comandou apenas dois filmes. Dessa maneira, pode-se dizer que lhe falta uma segurança maior na condução e uma assinatura estilística própria, porém, dado o resultado obtido nesta segunda empreitada, é evidente que ele sabe dirigir os atores, fazer escolhas visuais que potencializam as suas performances (há, no mínimo, uns três monólogos dos quais ele extrai todo o potencial dramático) e construir uma narrativa envolvente e encorpada.
Além disso, mostra ter um um bom olho para compor match-cuts (todos envolvendo portas, um deles, inclusive, trabalha com linhas temporais diferentes de maneira exemplar) e talento iconográfico para enquadrar imagens repletas de conteúdo. Um bom exemplo disso é o trecho em que vemos o protagonista retirando o chapéu na casa de seu amigo indígena (um momento cuja importância histórica ressoa pelos séculos anteriores), ou quando os dois se sentam e, conectados por compartilharem a mesma dor, ocupam um único quadro.
Deste modo, depois do horroroso Vile, Sheridan nos fornece vislumbres de que também pode ser um bom diretor. Função que, caso passe a dominar, quando associada aos seus visíveis talentos como roteirista, será a responsável pela formação – ao que tudo indica – de um cineasta cuja obra pode ser uma das mais interessantes dos próximos anos.