Jafar Panahi é daqueles diretores que produzem filmes que vão muito além da sala de projeção. Não enxerga as obras que dirige apenas como fruto de um trabalho árduo, que agora deve recompensá-lo comercialmente. Também não tem suas películas como extensão de uma vaidade indolente, como infelizmente acontece com muitos bons diretores, atores e membros do universo do cinema em geral. Ele não é apenas um artista, mas também um ativista audaz, que prova a cada novo trabalho que não desiste daquilo que acredita e não se curva a opressão do poder estabelecido.
Depois do denso Cortinas Fechadas (2013), Panahi resolve usar o humor para expor todo o regime totalitário que assola seu país, o Irã. Táxi Teerã (Jafar Panahi’s Taxi, 2015), no entanto, não é uma comédia, pelo contrário. O drama da perseguição que reprime cada cidadão nos mais banais afazeres está presente em cada tomada, suavizado por uma narrativa leve que destoa dos trabalhos mais “sérios” do diretor. Trata-se de um falso documentário que retrata o próprio diretor assumindo o volante de um táxi, circulando pelas ruas da capital iraniana e encontrando diferentes tipos da sociedade, enquanto concilia a atividade com pequenos afazeres domésticos.
Assim como em seu filme anterior, sons e cenário tem influência preponderante no novo trabalho. A casa à beira mar dá lugar ao veículo, cujo interior é o local onde se passam todos os rápidos 86 minutos do longa. Apesar do espaço reduzido, a atmosfera claustrofóbica se transforma num ambiente de transformação a cada novo passageiro – ou melhor, a cada novo ponto de vista sobre os perigos que rodeiam um universo esmagado pela intolerância da religião, da política e, principalmente, da ignorância. A ausência de trilha sonora é compensada pelo trabalho acurado de refinamento do som ambiente, dando evidência ao contraste entre a falsa calmaria do interior do veículo (os espíritos estão em turbilhão) e a cacofonia externa.
Para reforçar o aspecto documental, o filme é todo construído em apenas duas câmeras instaladas em frente ao condutor e ao carona. A espontaneidade dos atores, principalmente da garota Hana Saeidi, sobrinha do diretor e que interpreta ela própria em cena, dão a naturalidade cômica que a obra exige. O estilo narrativo escolhido é fundamental para reforçar a crítica política que o diretor tanto busca, seja através de discussões sobre a aplicabilidade da pena de morte, a venda de filmes piratas, a violência urbana ou a superstição que leva a questões de “vida ou morte” (a cena das senhoras e os peixinhos é fantástica), tudo é um grito desafiador contra aqueles que querem calá-lo.
Preso várias vezes, com a impossibilidade de sair do país e da própria casa, Jafar Panahi foi proibido de exercer a profissão por “deturpar a realidade”. Táxi Teerã, além de um desafio as proibições, é uma critica aberta e direta a esse suposto valor moral tão variável, quanto questionável. Panahi usa a palavras inocentes da sobrinha, incumbida da tarefa escolar de produzir um filme comercialmente “exibível”, para expor as absurdas interferências governamentais na liberdade de expressão artística e, consequentemente, em todos os aspectos da vida do cidadão iraniano. Com isso, ele fala a todos os povos do mundo que de alguma forma estão oprimidos pelo poder que não compreendem, uma agressão tão atroz quanto rasteira, se escondendo na obscuridade do cotidiano e da naturalidade do “assim sempre foi, assim deve ser”.
Preste atenção aos belos diálogos, em especial para aquele entre Panahi e a “moça das flores”, na verdade, uma colega de ativismo. Uma pequena aula de humanismo. O filme foi o grande vencedor do Urso de Ouro, prêmio máximo do Festival de Cinema de Berlim de 2015. Claro que o diretor não pôde comparecer para receber o prêmio pessoalmente porque está impedido de sair do país. Nenhum discurso seria mais claro e sua ausência não poderia ter sido mais contributiva.