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Suspíria: A Dança do Medo – Pedantismo insuportável!

Novo Suspíria não sai do lugar e não diz a que veio

Refilmar um clássico do Terror nunca é uma ideia bem recebida pelos fãs do gênero. Após o anúncio do remake de Suspiria, grande momento de Dario Argento lançado em 1977, no entanto, as primeiras prévias davam impressão de que algo interessante poderia sair dali. Isso porque o original contou com um roteiro bastante simples, caprichando e destacando-se bastante pela sua emulação nada óbvia e bem sucedida de um pesadelo. Os responsáveis pelo novo filme indicaram que se tratava de uma releitura, ao invés da costumeira mera cópia atualizada, e assim surgiu Suspíria: A Dança do Medo (Suspiria).

Suspíria 2018

Susie Bannion (Dakota Johnson), vinda de uma comunidade menonita nos EUA, ingressa em uma prestigiada companhia de dança em Berlim, que tem como figura central Madame Blanc (Tilda Swinton, de Okja, Dr. Estranho e Constantine). O espaço funciona como um coletivo exclusivamente feminino, detalhe que é sempre enfatizado na narrativa, também deixando claro para o público que existe alguém acima de Blanc na liderança do grupo, que é secretamente um culto de bruxaria.

As novidades trazidas pelo roteirista David Kajganish, adaptando o texto de Argento e Daria Nicolodi, são muitas. Quem conhece o filme original já percebeu algumas, como o passado de Susie e uma insinuação de disputa de poder dentro do grupo. Ambientando o filme no mesmo ano de lançamento do outro, Kajganish aproveita para revirar a turbulência política alemã do período, aludindo a todo momento às ações do grupo guerrilheiro esquerdista Baader-Meinhof. Isso é feito não apenas nos diálogos, mas em TV’s ligadas em telejornais que noticiam os fatos.

Não apenas isso, o filme apresenta em seu início uma situação que causa desdobramentos por toda a longa duração do filme. Patricia (Chloë Grace Moretz), uma das bailarinas da companhia, surge já perturbada e tentando explicar a conspiração que descobriu ao seu idoso psiquiatra. Este, por sua vez, questiona o que existe por trás daquilo e resolve ir em busca da verdade, enquanto descobrimos, aos poucos, seu passado trágico e triste, envolvendo a perda de sua esposa durante o regime nazista.

Dirigido por Luca Guadagnino, que se destacou recentemente com Me Chame Pelo Seu Nome, o novo Suspíria deixa uma coisa clara por volta da metade de seus 152 minutos. A simplicidade temática foi completamente descartada e a ambição conceitual foi perseguida exaustivamente, mas em vão. Os problemas já começam no roteiro, querendo falar de muita coisa, mas sem a habilidade de conectar organicamente os detalhes, algo que a direção não consegue contornar. Pelo contrário, já que o próprio cineasta dá impressão de que não sabia para onde ir e entregou um filme que corre atrás do próprio rabo.

Com tantas nuances e verborragia nos primeiros minutos, além do subtexto político e os diálogos em alemão, inglês e francês, o longa promete muita coisa ao espectador. Não necessariamente coisas que os fãs esperariam, é verdade, mas normal até aí. Aguarda-se algum tipo de justificativa para tanta exposição, mas essa expectativa nunca é saciada. Mesmo no quesito Terror, Guadagnino só entrega uma sequência que se destaca pela boa ideia e pelo caráter aflitivo, mas acaba comprometendo-a pela duração excessiva.

Suspíria 2018

Essa falta de sensibilidade ainda prejudica o restante do filme, já que ele foi incapaz de fugir dos clichês visuais no que diz respeito ao teor gráfico de algumas cenas e à utilização da fotografia nada memorável. A falta de empenho e de reflexão narrativa por parte do diretor é triste, nenhum plano funciona a favor da história e, piorando o conjunto, ele ainda incluiu uma incômoda câmera lenta sem qualquer propósito em momentos aleatórios. A insossa “resolução” da trama, que deveria ser um clímax, destoa completamente do restante e parece uma inserção de outro filme.

Após, literalmente, “explicar” ao público o que estava acontecendo, Guadagnino consegue fazer Suspíria perder mais pontos na avaliação. Além de revelações que não fazem sentido no pano de fundo geral, a divisão em atos do filme ainda nos faz engolir um epílogo que o alonga desnecessariamente e confirma as suspeitas de que o conteúdo supostamente mais profundo era algo completamente desconexo. Sororidade e política estão ali como meros acessórios, infelizmente, que os realizadores não faziam a menor ideia de como utilizar.

Como ponto positivo, Tilda Swinton se entrega com a competência de sempre

Falhando não apenas como Terror, ainda que tenha insinuado algo como A Bruxa, mas também como narrativa audiovisual, Suspíria é uma produção indigna da presença de uma atriz do quilate de Tilda Swinton. A britânica traz alguma dignidade ao conjunto com sua Madame Blanc, mas contribui com mais do que está evidente para o público. Uma sugestão é pesquisar sobre isso somente depois de assistir ao filme, pois qualquer comentário mais detalhado pode soar como spoiler.

Não que traga novos significados ao longa, ou que o salve de alguma forma, mas não deixa de ser atrativo para os mais interessados em trabalho de atuação. Na verdade, é bem provável que as pessoas indaguem por qual motivo isso foi feito, o que trará a conclusão de que não faz a mínima diferença e serve só como curiosidade para comentários pós-sessão. Bem isso mesmo, mas não desmerece o trabalho da atriz. Na mesma via em que reconhecemos e celebramos essa capacidade dramática, fica a lamentação pelo desperdício de seu talento neste projeto.

Suspíria 2018

Não tem desculpa!

A comparação com o original piora a impressão, mas, pensando na concepção de Suspíria: A Dança do Medo, parece lógico afirmar que se trata de uma obra com liberdade artística considerável. Pela duração e pela ambientação de época, além dos temas que se propôs a encaixar ali, mais um orçamento modesto para os padrões de uma co-produção EUA/Itália, fica mais um gosto amargo no final pela oportunidade desperdiçada.

Normalmente, a culpa por filmes de terror, sejam remakes ou não, que dão errado é da interferência dos produtores/estúdio. Pelo que a dupla David Kajganish/ Luca Guadagnino realizou aqui, nota-se que não foi esse o caso. Longe de querer apontar fatores definitivos para esse desastre, não parece loucura supor de que os cavalheiros em questão não tem uma ideia bem clara do que é o gênero Terror e sua proposta.

Talvez, algum dia, alguém busque defendê-los dizendo que muitos não entenderam seu trabalho e que não se trata de um filme de Terror. Então, teríamos que invocar uma verdade inconveniente, lembrando de que isso não garante por si só, absolutamente, que qualquer filme seja bom.

P.S.: Existe uma cena pós-créditos, mas e daí?

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