Em janeiro de 2009, o que deveria ser mais um voo comercial comum partindo do aeroporto La Guardia, em Nova York, em direção à Charlotte, na Carolina do Norte, tornou-se um evento inusitado. Graças a uma revoada de pássaros que se chocou com as turbinas pouco depois da decolagem, a única alternativa para o comandante da aeronave foi fazer um pouso forçado em uma área de (muito) risco. Sully: O Herói do Rio Hudson (Sully) mostra esse recorte da vida de Chesley “Sully” Sullenberger, a partir do livro do próprio piloto, que conseguiu pousar no rio do título do filme, sem que vida alguma se perdesse até a evacuação e resgate de 155 pessoas.
Neste momento, talvez soe estranha essa sinopse parcial. Tudo bem, história verídica baseada em livro, mas se a coisa toda aconteceu logo após a decolagem – o que significa que foi muito rápido – e ninguém morreu, o que existe aí para segurar um filme de 96 minutos? Não muito, é verdade, mas, mesmo que estejamos falando de um roteiro com pouco a desenvolver, o diretor faz diferença. Clint Eastwood, apesar da idade avançada, ainda é um cineasta que vale a pena acompanhar e fez mais um bom trabalho, valorizando esse material não tão atrativo, dramaturgicamente falando.
Sully, interpretado por Tom Hanks com sua competência habitual, não colhe apenas os louros pelo seu feito. Mesmo aclamado como herói pela sua tripulação, passageiros e o povo de Nova York em geral, ele e seu co-piloto, Jeff Skiles, papel de Aaron Eckhart, precisam provar em uma comissão que tomaram a única decisão possível. Assim, os dois passam por todos os processos de investigação do ocorrido, enquanto aguardam o resultado das simulações do órgão que controla a aviação nos EUA. Ganha um doce quem adivinhar como termina!
O roteirista pouco experiente Todd Komarnicki não tinha para onde correr. Perdoável, já que teve pouca liberdade com o previsível material que adaptou. No entanto, na mesma via em que compreendemos as dificuldades da tarefa, precisamos reconhecer que o mesmo texto insinuou conflitos, através de diálogos, que são citados apenas para caírem no esquecimento depois. Preste atenção nas conversas telefônicas entre Sully e sua esposa (Laura Linney). Basicamente, a narrativa se vale da estressante situação pela qual o protagonista passa, alternando entre alguma dúvida sobre sua escolha e a dificuldade dos burocratas em colocarem-se em seu lugar. Neste quesito, a presença de alguém como Tom Hanks, convincente no papel de alguém mais velho, ajuda bastante. O restante do elenco não compromete e faz sua parte.
O trabalho de Clint com este roteiro é exatamente o que alguém familiarizado com seu estilo esperaria. Sem ter por onde surpreender ou entregar algo inesquecível, o veterano demonstra mais uma vez que o estilo clássico de filmar nunca morre, principalmente quando é preciso contar uma história sobre pessoas comuns. Como sempre, ele não recorre a nenhum truque estiloso que tiraria o espectador da história, seguindo com o esquema do plano mais aberto sucedido pelo mais fechado e assim sucessivamente, algo que necessita de um editor em sintonia com essa ideia. Esse trabalho ficou a cargo de Blu Murray, que participa de seus filmes desde A Conquista da Honra, de 2006.
Com a política de ter sempre profissionais conhecidos ao seu lado, Tom Stern também retorna como diretor de fotografia, seguindo com a parceria que vem desde Dívida de Sangue, de 2002. Mantendo a sobriedade que marca suas colaborações com o cineasta, aqui ele entrega mais um bom trabalho. A naturalidade da iluminação e o clima geral do filme não brigam com a proposta narrativa, tornando bem suave a experiência do público.
Entre outros pontos a elogiar, a estrutura geral de Sully também afasta o filme do tédio, optando por algo não linear. A recriação do pouso forçado também conta com um bom trabalho de efeitos especiais, mais um detalhe que traz a plateia para a história, já que muita gente sequer lembra de efeitos quando se trata se situações realistas. Quem não estiver procurando por nada exaustivamente tenso ou movimentado, pode perceber as qualidades deste conjunto sutil.
Com essas características técnicas, Sully: O Herói do Rio Hudson se segura com uma duração enxuta. Não se destaca dentro da filmografia de Clint Eastwood, mas mostra o que uma boa direção pode fazer por um roteiro de pouco brilho. Como é o terceiro filme que ele entrega no espaço de três anos, merece ser tratado com uma boa vontade maior, mesmo que esteja abaixo de Jersey Boys e Sniper Americano.