Submersão mostra um diretor perdido em seu próprio mundo
Alguns nomes, apenas ao serem citados, despertam nossa expectativa e curiosidade por mais que as decepções se acumulem uma após a outra. O cinema alemão já produziu muitas joias da filmografia mundial e o primoroso trabalho de Wim Wenders prova que o diretor, nascido na emblemática cidade de Dusseldorf, é uma delas. Mas joias não deveriam se desgastar com o tempo, pois não enferrujam, não perdem seu brilho e muito menos seu valor. Bijuterias são assim. Será que tomamos latão por prata? Submersão (Submergence) está aí para o público refletir.
O novo trabalho reúne alguns dos traços mais evidentes do trabalho de Wenders, tanto em qualidade, quanto nos tristes defeitos de suas obras mais recentes. Temos um diretor que parece buscar a si mesmo em referências de seu próprio trabalho por meio de temas que lhe são caros, como a solidão e a insegurança frente a um mundo que tentamos, mas custamos a entender. O estranhamento que afasta o ser humano da felicidade, mesmo quando os sonhos parecem ter se realizado. No entanto, o roteiro segue cansado, sem muita noção sobre pra onde quer chegar.
Tecnicamente, o filme é um primor. A começar pelo elenco caprichado, encabeçado pelo efervescente James McAvoy (Fragmentado) e Alicia Vikander (Tomb Raider: A Origem e Ex Machina). Dois atores que esbanjam talentos pela simples presença de espírito que colocam em seus papeis. Destaque, também, pela belíssima fotografia de Benôit Debie, conhecido pelos tensos trabalhos em parceria com o visceral Gaspar Noé, como Love (2015) e Irreversível (2002). A junção dos talentos do elenco e do diretor de fotografia fazem cada frame de Submersão uma tradução do sentimento em cena.
Baseado no livro do ex-correspondente de guerra J.M Ledgard, a história gira em torno da relação amorosa entre duas pessoas em situações arriscadas. A oceanógrafa Danielle Flinders, prestes a colocar a sua vida em risco para realizar o trabalho mais importante de sua carreira ao pesquisar a vida marinha em profundidade abissal, e James More, espião do serviço secreto britânico que também está sob ameaça de morte ao se preparar para uma perigosa missão antiterrorista na África. Ambos se encontram em um hotel isolado no litoral, pouco antes de seguirem para seus destinos.
Uma história de amor para ser vivida intensamente ou apenas como anestésico para as dores do porvir? Não importa, pois a delicada situação cria uma identificação entre os dois nunca antes vivida pelo casal. A história do casal é narrada em flashback, enquanto, no momento presente, James e Danielle passam por terríveis dificuldades, tendo no amor a esperança de seguir em frente.
Mas não é bom se empolgar muito com a ótima premissa. Com atores talentosos e um ponto de partida fascinante, Wim Wender mais uma vez erra mão e se perde no caminho para seu próprio mundo. A trama não avança e, em pouco tempo, se engolfa em uma irritante sequência de repetições de fórmulas e soluções fáceis, como se afogada em preguiça criativa. Ao longo do tempo, tudo parece ser mais do mesmo e nem mesmo a complexidade dos problemas que cada um dos personagens se meteu consegue levantar o interesse perdido da plateia. Não se surpreenda se, após a primeira metade da sessão, seus colegas de poltrona estiverem cochilando ou ligando o celular furtivamente. Qualquer coisa parece ser mais interessante que o destino de Danielle e James.
Não durma antes do fim… Se conseguir
Os diálogos também contribuem para o efeito sonífero do filme, repleto de filosofias de botequim e questionamentos existenciais difíceis de engolir. O casal de protagonistas parecem ser os únicos da trama a ter algum tipo de individualidade. Os coadjuvantes alteram falas conceitualmente repetitivas, parecendo que todos estão ali unicamente para fazerem os jovens apaixonados expressarem suas sensíveis impressões do mundo. O desconforto frente ao universo estranho e ameaçador se consolida apenas como uma irritante pedra que pesa do caminhar do filme.
Submersão tenta tocar em assuntos caros ao diretor, mas está muito distante de pérolas como Alice na Cidade (1974), Paris, Texas (1984), As Asas do Desejo (1989) entre outros, que com muita genialidade usa da psicologia complexa dos personagens para transmitir a dor do sentimento de perdição e impotência que é possível encontrar dentro do próprio mundo. Esses ingredientes até estão presentes no atual filme do diretor, mas de forma requentada, cansada, sem profundidade, como se Wenders tentasse imitar a sim mesmo, mas sem muita motivação para isso.
Já faz alguns anos que esperamos um Wenders como o de antigamente. Infelizmente, trabalho após trabalho, as decepções se seguem, como no igualmente frustrante Tudo Vai Ficar Bem (2016), que peca pelos mesmíssimos motivos. O nome, no entanto, continua uma grife, e tudo que sair com sua assinatura merece uma espiada. Submersão pode ser um filme esquecível, mas não é de todo descartável, sobretudo em seus primeiros trinta minutos. Porém, se você realmente quer saber porque esse cineasta merece o respeito que tem e, justamente por isso, é tão irritante vê-lo por trás de uma obra como essa, mergulhe em seus trabalhos dos anos 1970 até meados de 1990. Sinta porque o diretor dos anjos sempre terá seu retrato na parede do Olimpo, mesmo que já tenha descido ao inferno.