Primeiro longa-metragem de Elder Fraga, SP: Crônicas de Uma Cidade Real reúne muitos cinemas em um único filme
O uso de drone pode ser considerado a principal obsessão dos cineastas atuais. Óbvio que inovações técnicas atiçam realizadores na hora da criação das cenas, mas as imagens aéreas tem surgido em produções recentes numa quantidade assustadora. Porém, a opção por esse tipo de equipamento em SP: Crônicas de Uma Cidade Real, é mais que um modismo: é a melhor forma de traduzir seu pano de fundo imponente.
Em seu primeiro trabalho em longa-metragem, cuja produção foi tema de um Formiga na Tela, o diretor Elder Fraga escolhe a maior cidade do Brasil para ser o cenário de cinco tramas independentes entre si, mas que carregam consigo a atmosfera insólita e diversa que é São Paulo. Na abertura do filme, as muitas linhas, traços e curvas que constroem alguns dos principais pontos da metrópole, como a Estação da Luz e a Catedral da Sé, informam o cenário, mas não precisamente o que esperar dele.
E a recepção do espectador não poupa os nervos. Um sequestro é o acontecimento central do primeiro segmento e Fraga segue à risca a cartilha dos filmes de ação dos anos 2000, com montagem frenética e uma câmera grudada ao corpo dos atores. Violência será uma constante na pouco mais de uma hora e meia de projeção. No entanto, na segunda crônica, ela é menos gráfica e mais psicológica. Trata-se da vingança de um pai contra um pedófilo. O assunto é delicado, mas é nos detalhes que o segmento funciona.
Conversa de balcão
Mais que qualquer artifício técnico (e aqui ele é presente na montagem intercalada) o que faz com que sejamos conquistados pela história é a direção de atores. A ideia de colocar a câmera, literalmente, dentro dos armários e até da privada da casa onde o pai mantem preso o responsável pelo crime contra sua filha, contribui para que estejamos muito próximos aos personagens, quase invasores daquele espaço. Acompanhar de perto o longo castigo arquitetado pelo protagonista, nos faz até esquecer em que cidade estamos. Mas logo ela reaparece, já noturna, para nos apresentar a melhor das histórias de SP: Crônicas de Uma Cidade Real.
Uma conversa, protagonizada pelos atores Rubens Caribé e Rui Ricardo Diaz, que vai num crescente de um simples papo de delegado e bandido, ganha contornos de tragédia familiar. Não há uma aresta a ser aparada na interpretação e nos diálogos, muito por conta da experiência de Caribé com o teatro, arte onde o texto é soberano. Bem resolvido, é a crônica que nos deixa com gosto de quero mais. Quem sabe um longa só para ela? Fica a ideia, mas ainda temos duas histórias pela frente. Não tão conquistadoras como as anteriores, apesar de flertarem com o cinema de horror e até o melodrama, mas ainda assim viscerais e centradas nas pessoas que fazem o movimento louco de São Paulo.
Por tratar de temas universais, SP: Crônicas de Uma Cidade Real poderia se passar em qualquer outra grande cidade do mundo, já que o filme não vale-se de elementos essencialmente paulistanos em suas histórias. Mas há um clima, uma incógnita peculiar que faz com que cada aparição de um novo habitante nos lembre que é São Paulo o lar de cada um deles. Um lar errante, incômodo até. Mas é onde eles se sentem seguros, mesmo que o cotidiano tenha os seus riscos bem claros em cada esquina.
Talvez esse encanto seja porque esta que vos escreve vem de uma cidade pequena. Mas a vida cinéfila faz a gente conhecer cantos inimagináveis e um filme como esse deixa claro a máxima de que tudo se encontra em São Paulo. Inclusive todos os gêneros cinematográficos.