Quando Sin City estreou em 2005, mesmo aqueles que ignoravam os quadrinhos de Frank Miller foram obrigados a reconhecer que o filme tinha uma ousadia rara no cinema contemporâneo. Adaptação de HQ, seguindo uma tendência, mas sua classificação era 16 anos, o que já limitava bastante a bilheteria. Além disso, outro detalhe que costuma espantar o público é o preto-e-branco, um dos detalhes chave da história que o filme não poderia abrir mão, caso quisesse ser algo reconhecível pelos fãs. Deu certo como obra experimental, fazendo uma transição quase literal das páginas e do texto – enquanto possível – resultando em algo muito próximo dos desenhos e da narrativa de Miller, mas a arrecadação modesta manteve a ideia de mais um filme apenas como rumor por um bom tempo, tanto que nove anos se passaram até que a cidade do pecado fosse novamente retratada nas telonas.
Sin City: A Dama Fatal (Sin City: A Dame To Kill For) traz uma novidade em relação ao seu antecessor. Se no primeiro, tínhamos apenas histórias adaptadas diretamente da HQ – o que até poderia ser encarado como problema, pois quem já havia lido sabia como terminava – agora duas das quatro histórias envolvidas são originais para o cinema, tudo roteirizado pelo próprio Frank Miller, que retorna nesta produção repetindo também a função de co-diretor com Robert Rodriguez. Assim, o filme abre com Apenas Outra Noite de Sábado, segue com a primeira parte de A Longa Noite Ruim, entra a história que dá o subtítulo do filme, vem a conclusão do segundo arco e então o último ato, com A Última Dança de Nancy.
Na primeira e melhor parte, Marv (Mickey Rourke) persegue um grupo de universitários que se divertiam incendiando mendigos. Aqui realmente houve um cuidado em se diferenciar no formato narrativo, fazendo jogadas visuais dinâmicas nas transições de cenas, que realmente lembram quadrinhos. Na segunda, escrita para o filme, somos apresentados a Johnny (Joseph Gordon-Levitt), um jogador que arrisca a sorte em um jogo de pôquer com o senador Roark (Powers Boothe), cujos desdobramentos só serão mostrados ao fim da história seguinte. Chegando em A Dama Fatal, temos a volta do personagem Dwight, aqui interpretado por Josh Brolin, cujo rosto diferente de Clive Owen no primeiro filme faz parte da história, mas quem leu essa HQ, ao assistir ao filme vai entender quando digo que Owen também deveria ter participado novamente. Dwight é procurado por um antigo amor, Ava (Eva Green), uma sedutora diabólica que não se importa em usa-lo para uma trama que o implica em assassinato. Fechando com mais uma história original – a mais fraca entre as quatro – uma continuação direta da história do primeiro filme, O Bastardo Amarelo, onde Nancy Callahan (Jessica Alba) procura uma forma de vingar-se do senador Roark pelo destino de John Hartigan (Bruce Willis), aparecendo aqui como imagem da consciência de Nancy. Sim, parece uma jogada oportunista para ter Willis de volta.
Não é exagero dizer que os dois Sin City são mais exercícios de estilo do que boas histórias. É preciso reconhecer que a fotografia, do próprio Rodriguez, tem um resultado muito feliz dentro do que o filme propõe, mas sem o impacto da novidade de 2005, não há muito a dizer e é perceptível que algo se perdeu, principalmente nas histórias que Frank Miller criou especialmente para esta continuação. O filme começa muito bem com Marv, mas vai perdendo o ritmo aos poucos. Quando chegamos ao último arco, fica pior no desenvolvimento e conclusão da personagem Nancy, cujo final é apressado e sem razão de ser. Traz até a impressão de que o segmento com a personagem de Jessica Alba foi exigência dos agentes dela, e conduzido com certa má vontade.
Falar do desempenho dos atores não tem sentido, já que as caracterizações – vindas da HQ – são propositadamente unidimensionais, o que não é necessariamente um demérito, mas sendo um filme calcado no visual e na ação, acaba cansando ver dezenas de vezes alguém caindo em câmera lenta, além das mortes que por emularem o grafismo do gibi, não convencem. Impressas em páginas, essas cenas tem muito mais força. É impossível saber se Frank Miller foi mais atuante como cineasta desta vez, o que poderia explicar os problemas de ritmo, entre outros, mas a sua pequena participação como ator denota a vontade de aparecer mais. Claro que como dono da bola, os envolvidos na produção seriam obrigados tolerar uma ou outra exigência de diva que ele fizesse, mas é apenas uma especulação, baseada em seu comportamento recente e na queda de qualidade de seus trabalhos nos quadrinhos.
Dando a impressão de ser mais longo do que realmente é, Sin City: A Dama Fatal é indicado apenas aos curiosos, fãs de HQ’s e cinéfilos mais cabeçudos – ou pessoas que sejam tudo isso ao mesmo tempo – pois, bem ou mal, ainda dá uma bela de uma conversa sobre similaridades e diferenças entre as linguagens do cinema e dos quadrinhos. Claro que um admirador ou defensor ferrenho de Frank Miller também não vai querer perder, e talvez até defenda o filme com unhas e dentes, mas mesmo assim terá que admitir que filme anterior é, de longe, muito melhor.
Quero ver argumentos para defender A Última Dança de Nancy!
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