Sem Fôlego introduz novidades na carreira de Todd Haynes
Para o espectador que conhece a filmografia de Todd Haynes, Sem Fôlego (Wonderstruck) apresenta um aparente e doce paradoxo: ao mesmo tempo que se trata de território novo para o diretor — ele nunca tinha trabalhado com contos infantis antes –, em sua originalidade e ousadia, dado a fama de experimental do cineasta, não é inteiramente surpreendente. Claramente, isso não é um julgamento de valor — uma vez que não há nada de errado em continuar experimentando –, mas apenas uma forma de introduzir as “contradições” e, em termos narrativos e temáticos, os duplos presentes em sua complexa obra.
Isso vale tanto para os seus primeiros filmes (os inquietantes Veneno e Mal do Século) quanto para os últimos longas (como a grande obra-prima de sua carreira, o inesquecível Carol). Em Sem Fôlego, a própria narrativa se divide em duas: uma se passa na década de 1920 e conta a história de Rose (Millicent Simmonds), uma jovem surda e muda perambulando solitariamente por Nova York em busca de sua mãe (Julianne Moore, de Para Sempre Alice), famosa atriz de teatro e cinema; e a outra se desenrola nos anos 1970 e é sobre um garoto, também surdo, andando pela mesma cidade à procura de seu pai, possível dono de uma livraria.
Esteticamente, Sem Fôlego é uma ruptura parcial de estilo. Conhecido por sua elegância, Haynes sempre mostrou uma preferência por composições que remetiam aos grandes melodramas hollywoodianos, com planos fixos deslumbrantes esporadicamente dando lugar a movimentos de câmera impactantes (nos dias de hoje, poucos usam a grua tão bem quanto ele). Não estou dizendo que esses recursos não são empregados no novo filme, mas, principalmente na narrativa setentista, há muita câmera na mão e uma composição deliberadamente suja, o que tem o nítido propósito de refletir a degradação moral e estética de Nova York (na década de 1970, a cidade era uma das mais violentas do mundo).
Já na história dos anos 1920, Haynes retroage ainda mais no tempo e faz uma homenagem lindíssima à infância do cinema. Nas produções anteriores, eram os longas das décadas de 1940 e 1950 os mais referenciados em sua filmografia. Na atual, são os filmes das primeiras décadas da história da cinematografia mundial. Toda a trajetória da jovem Rose é narrada como um filme mudo, não só em razão da profissão de sua mãe, mas também porque ressalta a enfermidade da personagem e a solidão que ela sente. Além do mais — e isso vale para as duas narrativas –, essa imposição técnica possibilitou uma total imersão na trilha sonora. Compostas por Carton Burwell, as músicas ditam todos os sentimentos do filme.
O conto infantil de Todd Haynes
No entanto, nem tudo é novidade em Sem Fôlego. Há elementos suficientes para dizer que é um filme de Haynes. Desde as fortes texturas da fotografia de Edward Lacheman até o comovente hino sobre Nova York (a cidade é constantemente homenageada), o longa está recheado de características marcantes do diretor. O próprio terceiro ato, em que há uma história narrada através de um embasbacante stop-motion, é uma referência indireta ao curta-metragem Superstar:The Karen Carpenter Story, o qual conta a história da vocalista da famosa dupla The Carpenters e foi feito com bonecas Barbie.
E embora possa parecer injustificado, o emprego desse recurso está diretamente ligado ao aspecto infantil do filme. Em essência, a obra é sobre enfrentar as dores do mundo precocemente e crescer rápido demais em decorrência disso. Os dois personagens principais sofrem em demasia e esse tipo de sofrimento devia ser incompatível com a infância. Mas, felizmente, mantendo a esperança, Haynes e o roteirista Brian Selznick permeiam a narrativa com estrelas, magia e otimismo, de tal que modo que se forma um filme agridoce cujo encanto e beleza são irresistíveis. Em outras palavras, trata-se de um conto infantil por excelência, realidade narrativa até então inexplorada por Haynes e que, em Sem Fôlego, atinge todo o seu potencial.