Renata (Simone Iliescu) é uma mulher intelectual e de costumes burgueses, casada com o jornalista igualmente intelectualizado Marcelo (Roberto Audio), com quem compartilha uma vida de interesses comuns pela arte e cultura universal. Ao mesmo tempo, vive um tórrido romance com o Carlos (Lee Taylor), um criminoso ladrão de carros que tenta, porém sem muito esforço, despregar-se da vida bandida, seja pela dúbia presença de Renata, seja pela criação do menino Exu (Vinícius dos Anjos), tirado das ruas, mas ainda com fortes vínculos com o ambiente hostil em que crescera. Como pano de fundo, uma São Paulo sufocante e intimidadora, que oprime os moradores à exaustão.
Na verdade, tudo é sufocante em Riocorrente, primeiro longa-metragem de ficção de Paulo Sacramento, o internacionalmente premiado documentarista de O Prisioneiro da Grade de Ferro (2002), filme que o consagrou como um dos principais diretores do gênero no país. Na obra atual, Sacramento permanece, superficialmente, na temática social da violência urbana, porém com um viés mais intimista e menos óbvio que o exigido pelo pregresso trabalho jornalístico. Para tanto, escolheu atores do teatro e pouco conhecidos do grande público para evitar contaminações interpretativas, ampliando as perspectivas de absorção do espectador e do próprio elenco no entendimento dos personagens.
Em Riocorrente, a vida urbana, com suas rotinas de aparências e obrigações, pressiona o ser humano quase a loucura. Não importa se o exterior é o bom comportamento do “trabalhador honesto” ou os sobe-desces da desregrada vida criminosa. Quando viver (e parecer) se torna uma obrigação, tudo vira um fardo, um peso que tira o sentido e o prazer de tudo a nossa volta. Renata se divide entre os dois mundos na busca de um sentido para a própria vida, causando ainda mais angústia nos dois extremos sociais entre os quais se coloca e em si mesma. Marcelo vê no distanciamento da esposa o resultado da vida monótona que a mulher sempre se queixou. Já Carlos se enxerga cada vez mais longe da amante por nunca conseguir se equiparar a ela. Nisso, o diretor expõe os dilemas e paradigmas que defrontamos diariamente, uma vida claustrofóbica de aparências que coloca a cada um nós na eminência de uma explosão.
O filme não possui narrativa linear. Não se trata de uma obra de entretenimento, estando repleto de metáforas e referências que invariavelmente o tornará hermético para uma boa parte do público. A montagem se estrutura em recortes da vida de cada personagem, como se tudo fizesse parte do sonho (ou pesadelo) de algum deles. Não espere por uma história com começo-meio-fim. Esteja preparado para cenas de sexo e violência que tanto já referenciaram nosso cinema pejorativamente. A inexperiência dos atores frente às câmeras pode ser o motivo para uma certa limitação nos comportamentos em cena, mas não a ponto de desconstruir seus papéis. O argumento é limitado para o roteiro, fazendo o filme parecer mais um “curta-metragem de uma hora e meia” do que um longa por definição. A ênfase social buscada pelo diretor também compromete o aprofundamento na psique dos personagens, algo que valorizaria muito o tema proposto. Riocorrente vale mais como estudo audiovisual do que como experiência cinematográfica. No entanto, com Paulo Sacramento, tudo vai além das aparências. Fique atento.