Nova (e inútil) versão do mito do Rei Arthur
Absolutamente nada contra releituras de personagens clássicos em produções hollywoodianas. Dito isso, se você não sabia nada sobre Rei Arthur: A Lenda Espada (King Arthur: The Legend of The Sword), a coisa aqui toma várias liberdades em relação às interpretações mais conhecidas do mito, como Excalibur (1981), cuja fonte era o trabalho de Thomas Malory. Também não espere uma pegada mais realista, como a trilogia literária de Bernard Cornwell. Guy Ritchie fez algo semelhante à sua versão de Sherlock Holmes, só que muito, mas muito inferior e pouco identificável com o material original.
(Confira também o Formiga na Cabine sobre o filme)
Com roteiro do próprio Ritchie com seu parceiro habitual, Lionel Wigram (também fizeram juntos o subestimado O Agente da U.N.C.L.E.), mais Joby Harold em seu segundo crédito na função, o filme já se mostra mal resolvido em seu texto. O rei Uther (Eric Bana) lidera a guerra contra o renegado mago Mordred, enquanto seu irmão Vortigern (Jude Law) insiste na rendição. Quando a paz é restaurada, Vortigern encabeça um plano para tomar o poder, no que Uther consegue enviar o pequeno Arthur para longe antes de acontecer o pior. O menino é criado longe de casa e desconhecendo sua herança real.
Crescido, Arthur (Charlie Hunnam) é um homem forjado na malandragem das ruas. É claro que o tio o procura há vinte anos, a fim de acabar com qualquer ameaça ao seu poder, mas existe um grupo que pretende colocar o verdadeiro herdeiro em seu lugar de direito. Com esse molde genérico de trama, esse Rei Arthur de Guy Ritchie investe forte na fantasia. A batalha do início já nos mostra que a classe dos Magos pode utilizar animais gigantes. Passado esse prólogo, o filme condensa as duas décadas do protagonista em uma indigesta montagem acelerada, que nos conta como ele apanhou na rua, aprendeu a brigar, revidou, ganhou dinheiro e ficou esperto. Pressa? Tem mais cara de preguiça.
Não apenas isso, chega a ser incoerente que Arthur não se lembre de nada do que aconteceu na noite em que partiu, precisando da ajuda da espada mágica Excalibur para acessar essa memória. É aceitável que alguém não tenha interesse em saber de onde veio quando adotado, mas o filme se enrola com a idade do personagem principal. Deixando isso passar, ainda é preciso encarar a obviedade desta Jornada do Herói, que o roteiro não faz o mínimo esforço para suavizar a passagem de etapas bem conhecidas. Quando Arthur conhece seu grupo, já é óbvio que ele vai negar a ascendência e dizer que vai embora. O espectador pode até se pegar pensando “ah, agora ele vai questionar se está à altura da tarefa” ou “ah, agora ele vai aceitar que é o escolhido”.
Também existe um problema comum quando se trabalha com narrativas que envolvem magia. A Maga que serve de mentora do herói, substituindo a figura de Merlin, mostra a mesma habilidade com criaturas gigantes que vimos no início, mas só usa pesadamente esse recurso quando convém à história, exibindo mais da fragilidade do roteiro. A própria vilania de Vortigern se apresenta na forma como ele subiu ao poder, mas, no restante do filme, a figura dele como tirano é construída através de diálogos sem qualquer atitude. Existe ainda uma tentativa de conferir alguma ambiguidade a ele, mas bem mal desenvolvida.
Mão pesada na direção e fotografia escura
Os maneirismos estéticos de Guy Ritchie, como a montagem corrida do início, que já funcionaram tão bem em outros filmes, aqui são utilizados à exaustão. É como se o diretor fizesse questão de lembrar seus fãs a todo momento que o filme é dele, traindo alguma insegurança de sua parte. A ausência de sangue na violência (PG-13 é um problema nestes casos…), mais essa estética conhecida dos cortes rápidos e da câmera lenta, acaba fazendo com que as cenas de ação do filme tenham cara de videogame. Isso não é necessariamente um problema, mas sacrifica a sensação de que o protagonista corre algum perigo real.
Apesar dos figurinos moderninhos de Anye Symons, que costuma trabalhar mais em séries de TV, fazendo os mais tradicionalistas torcerem o nariz, o design de produção de Gemma Jackson, de Game of Thrones (ouça nosso FormigaCast sobre a série), se destaca um pouco na produção, trazendo ainda inspiração do grande ilustrador Frank Frazetta. Sinceramente, eu gostaria muito de dizer que a fotografia de John Mathieson – do já citado O Agente da U.N.C.L.E e Logan – valoriza o filme, mas o que vemos em Rei Arthur são imagens escuras demais, prejudicando a experiência em alguns momentos. Em parte, culpa do inútil 3D, que notoriamente escurece a fotografia e aqui, como quase sempre, não justifica sua razão de ser.
Rei Arthur: A Lenda da Espada é bastante problemático, mas seu esquema extremamente formulaico mantém o filme naquela linha sem riscos, onde dificilmente alguma coisa agride fortemente a inteligência do espectador. Os fanáticos pelo mito ou por fantasia podem se sentir tentados a conferir e tirar alguma diversão, assim como uma garotada louca por videogames tem mais chance de sentir que gastou bem a grana do ingresso. A vontade do estúdio de criar uma nova franquia é evidente, mas está na cara que essa magia não é tão forte assim.