Gêneros diferentes em Planeta Dos Macacos: A Guerra
Planeta Dos Macacos: A Guerra (War For The Planet Of The Apes) é o terceiro capítulo da trilogia iniciada em 2011 com Planeta Dos Macacos: A Origem. O fato de nenhum dos três filmes contar uma história de ficção científica nos mostra como a metáfora dos macacos antropomorfizados, concebida pelo escritor Pierre Boulle (leia a crítica do livro), extrapolou as suas intenções e transbordou o gênero originalmente pretendido, respingando em outros completamente diferentes. Se na década de 1960 os avanços tecnológicos eram presenças constantes na história, no tempo atual, estão consideravelmente distantes.
Mas, antes de irmos para a análise, é necessário realizar uma breve descrição da trama. Depois dos acontecimentos de Planetas Dos Macacos: O Confronto, um número grande de militares, comandados por um intrépido coronel (Woody Harrelson, revisitando os seus melhores momentos de True Detective), está construindo um muro para separá-los dos macacos. Para manter essa distância, eles pretendem matar César (Andy Serkis), o líder dos seus inimigos. Enquanto isso, este tenta manter uma vida pacífica ao lado dos familiares, amigos e comandados. No entanto, um evento trágico fará com que ele parta em uma violenta jornada de vingança.
Em Planeta Dos Macacos: A Guerra, Matt Reeves, o diretor e co-roteirista ao lado de Mark Bomback, trabalha com três gêneros cinematográficos distintos, e nenhum deles é a ficção científica. No primeiro ato, a câmera posicionada entre os soldados, a imagem desfocada tornando-se aos poucos mais nítida, o capacete que surge em cena (uma referência clara a Nascido Para Matar), a floresta (Platoon e outros filmes vêm à mente) e a posterior cena de batalha deixam claro: estamos diante de um filme de guerra.
Quando o segundo ato começa, a chave estrutural muda, e com ela, muito sutilmente, Reeves transforma o seu longa em um típico exemplar do Western. Aliás, muitas pessoas chamaram os recentes A Qualquer Custo e Logan de Westerns modernos, mas isso é um exagero. Eles estão mais para filmes com pitadas típicas desse gênero, diferentemente do segundo ato de Planeta Dos Macacos: A Guerra, onde a estrutura do roteiro e a forma como o diretor acompanha os personagens são inteiramente parecidas com clássicos do faroeste. As notas da trilha sonora composta por Michael Giacchino, com o seu caráter aventuresco, e as panorâmicas, além do foco em poucos personagens (o alívio cômico interpretado por Steve Zahn é muito característico também) não deixam a menor dúvida a respeito disso.
O terceiro, por sua vez, retoma os passos dados no primeiro, e Reeves transforma o seu longa novamente em um filme de guerra. Aqui, as referências a Apocalypse Now saltam aos olhos. Felizmente, na maior parte do tempo, esses dois gêneros não se colidem ou dão a impressão de serem blocos esquemáticos de narrativa. Caminhando lado a lado, ao mesmo tempo que são abordados dentro de suas peculiaridades, eles se conectam satisfatoriamente.
Um protagonista trágico
E isso acontece, principalmente, por causa de César. Não transformando as referências no centro de seu filme, Reeves, desde o começo, ao reapresentar o protagonista através de uma belíssima câmera subjetiva, nos mostra que é através dos olhos do personagem que acompanharemos a história. Portanto, por mais que sejamos capazes de perceber os outros elementos que compõem a cena e a narrativa como um todo, nossas mentes e nossos corações estão com César. Para isso, era muito importante que os caminhos do personagem não fossem meras motivações razoáveis e sim ressoassem emocionalmente em nós.
Interpretado com o brilhantismo de sempre pelo talentoso Andy Serkis, o personagem, neste novo filme, parte de um ponto facilmente empático e passa a lutar dentro de si com os demônios que lhe atormentam. Quem de nós não tenta combater diariamente as nossas contradições internas? Misericordioso, forte, corajoso e altruísta, de repente, ele se vê acometido por um ódio que não consegue superar, desejo este que logo reconhece ser uma fraqueza de seu caráter, juntamente com o “abandono” de seu povo para realizar um objetivo egoísta. Frente a essa construção tão complexa de personagem, só temos de agradecer à tecnologia que nos possibilitou ver todos os elementos usados por Serkis na sua composição.
A perfeição é rara
No entanto, Planeta Dos Macacos: A Guerra não é um filme perfeito, e um dos seus problemas reside na tentativa de inserir na trama, sub-repticiamente (embora se torne evidente nos minutos finais), um caráter bíblico à sua história. Há, claramente, um paralelo entre César e Moisés. Porém, esse paralelo surge forçadamente. A essência do roteiro é a jornada de vingança do protagonista e não uma tentativa de retratar um líder liberando o seu povo de um jugo e guiando-o numa espécie de êxodo. Não é à toa que, na transição do segundo para o terceiro ato, foi preciso inserir uma longa cena de fuga que, além de aumentar indevidamente a metragem, também antecipa um clímax com outro clímax.
Inclusive, este é outro equívoco do filme: há um excesso de situações dramáticas. Parece que a cada cinco minutos os realizadores desejam entregar um momento de impacto emocional. Apesar de a maioria deles funcionarem, alguns são estéreis. Como esses instantes são sempre acompanhados de trilha musical, as composições de Giacchino também começam a exaurir o espectador, deixando-o anestesiado em certas passagens. Por fim, há um desequilíbrio envolvendo o personagem de Harrelson. Por um lado, Reeves e Bomback tentam dar uma tridimensionalidade a ele, mas, por aparecer pouco, ele é sempre unidimensional. Há até uma intenção de transformá-lo no arqui-inimigo do protagonista, mas ele nunca chega a atingir o nível de profundidade pretendido.
Mas este filme é um clássico caso onde os méritos compensam os defeitos. Com um ritmo mais lento, poucas cenas de ação e uma duração média de planos (ASL) superior à dos blockbusters contemporâneos, Planeta Dos Macacos: A Guerra é um filme interessado nos seus personagens e auto-consciente de suas possibilidades. Além disso, finaliza em alto nível uma franquia bem-sucedida, tanto do ponto de vista comercial quanto artístico.