Home > Cinema > O Rei do Show – Militância artística!

O Rei do Show – Militância artística!

As minorias protagonistas e O Rei do Show

Lançar um espetáculo sobre uma figura histórica que ludibriava as pessoas por dinheiro, principalmente no período natalino, não parece ser a melhor das decisões de um estúdio de cinema. No entanto, quando compreende-se a lição de O Rei do Show (The Greatest Showman), de Michael Gracey, percebemos que não trata-se exatamente de uma biografia, mas de um especial apelo ao respeito às diferenças sociais, utilizando do que há de melhor no gênero musical enquanto meio de atingir os nossos corações.

Crítica de O Rei do Show

O Rei do Show

A mensagem do filme encanta-nos por estar centrada na ideia de aceitação do próximo enquanto ser humano, inclusive por si mesmo, ainda que a obra possua um claro aspecto cinebiográfico, dentro de uma atmosfera musical sob um formato teatral lúdico – a história tem como base a vida de Phineas T. Barnum (Hugh Jackman, recém saído do sucesso de Logan), reconhecido como o criador do show business e fundador do circo moderno.

Na obra, a trajetória de Barnum é colocada de maneira equivalente à sua respectiva figura real e histórica: através de uma narrativa de ascensão e queda consequentes, repleta de falcatruas do personagem, mas sempre redirecionada à motivação dramática voltada à mensagem anti-preconceito transmitida pelo filme.

Dentro de uma estrutura narrativa bem comum, de maneira inteligente Gracey utiliza de vários aspectos genéricos e conservadores (família “tradicional” e patriarcalismo histórico) como forma de dar destaque a questões sociais importantes à atualidade, como humanização e igualdade de direitos. E é exatamente por isso que temos o protagonismo de Barnum tornando-se um interesse secundário na história, pois a lição social dita pelo filme centraliza vários de seus principais momentos na figura dos chamados “freaks”.

Crítica de O Rei do Show

Identificados, claramente, como pessoas que são colocadas à margem da sociedade devido à sua aparência física, um ponto alto do filme é dar destaque à vida dessas pessoas de maneira emocionante, sem colocá-las como alívios cômicos narrativos, inclusive com momentos nos quais elas se impõem diante da sociedade de forma militante. O filme aborda, assim, a luta contra a discriminação de pessoas que são consideradas “as estranhas” na sociedade e/ou fora dos parâmetros sociais identificados como “normais”.

Ademais, o melodrama de O Rei do Show também é voltado a inquietações sobre: miscigenação, racismo, desigualdade social e inclusão social, sempre indicando-nos a palavra “preconceito” nas entrelinhas de seu texto escrito, abordada muito intimamente. Um detalhe interessante é como que, mesmo sem se aprofundar em nenhuma dessas questões, o filme aborda cada um desses assuntos pontualmente sem deixar a narrativa cansativa, promovendo sua mensagem de maneira sucinta.

E nesse ponto, a obra mostra-se relevante a qualquer ser humano que já tenha sofrido qualquer tipo de preconceito e discriminação.

Um Espetáculo Lírico em busca da Ópera Utópica

A obra possui diversos momentos poéticos, tanto com relação às mensagens nas entrelinhas do roteiro quanto à sua direção de arte, fotografia e montagem fílmica, pelas quais destacam-se os instantes coreografados e cantados pelos artistas no que pode ser observado como um palco cinematográfico pela sua mise-en-scène.

Não há dúvida quanto ao valor da obra enquanto musical. A melodramaticidade nesses momentos nos transportam a uma perspectiva quase que completamente teatral, o que não descaracteriza a obra em nenhum momento – afinal, lembremos que o cinema de ficção também teve seu início através de pequenos palcos filmados. Nessa perspectiva, a cinematografia surge como um breve acabamento a esses instantes musicais, ainda que destaque-se a movimentação da câmera usada pelo diretor de maneira peculiar e cuidadosa, complementando minuciosamente a narrativa musical.

Nessa estética peculiar, o filme nos faz compreender porque uma câmera está para um cineasta assim como uma caneta está para um escritor. A “escrita cinematográfica” depende sempre da forma como a composição artística é enquadrada e explorada pelo uso da câmera, o que acaba sendo um detalhe muito interessante nessa obra.

Crítica de O Rei do Show

O filme mostra-se orgânico também pela sua colorização, através de uma paleta diversificada com cores vivas e fortemente contrastadas – mais voltadas às cores quentes circenses –, que enaltecem sua visualidade lúdica e mágica nos momentos musicais. No entanto, há também instantes mais densos voltados ao drama emotivo dos diversos personagens, e ainda que essas cenas não excluam a vivacidade da paleta de cores, esta é retrabalhada  através de uma iluminação mais enegrecida e/ou em contra-luz, suprimindo as cores primárias da obra fílmica, por assim dizer.

Ou seja, a iluminação e a colorização têm contribuição direta no equilíbrio narrativo entre as mensagens sociocríticas e o tema de espetáculo propostos pelo filme.

Mas nada surpreende mais do que o cuidadoso uso de elementos cênicos durante as criativas coreografias, em conjunto com a exploração da cenografia. É possível dar atenção à manipulação dos elementos do cenário pelos atores-dançarinos ou por efeitos visuais e especiais, pois ao mesmo tempo em que complementam os passos de dança, explorando os limites do ambiente fílmico, também contribuem à poética teatral transmitida ao espectador, ao enaltecer as letras musicais.

Já adentrando nos aspectos da trilha sonora, há temas mais direcionados ao gênero do pop, criando um contraste curioso à época na qual o filme encontra-se. No entanto, o mais peculiar aqui é o cuidado com os elementos e efeitos sonoros nas composições musicais, complementando a melodia e a voz dos atores, deixando tais momentos mais impactantes aos sentidos e permitindo, assim, uma poética mais instigante quanto à mensagem final.

Portanto, ainda que sua história aparente uma construção clichê, não há como duvidar que O Rei do Show é aquele clichê de reconstrução de personagem muito bem trabalhado e acabado, agradando tanto os olhos quanto os ouvidos, além de uma importante lição a ser deixada na época do Natal. Um belo blockbuster de fim de ano.

Já leu essas?
O Rei da Comédia - Robert De Niro
O Rei da Comédia, de Martin Scorsese, na pauta do Formiga na Tela!
Duna: Parte 2 - FormigaCast
DUNA: Parte 2 na pauta do FormigaCast!
Fase IV: destruição - Ficção Científica
A Ficção Científica Fase IV: Destruição analisada no Formiga na Tela!
Fogo contra Fogo - Robert De Niro - Al Pacino
Fogo contra Fogo, o duelo entre Robert De Niro e Al Pacino, no Formiga na Tela!