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O Rastro – Seguindo uma longa trilha de equívocos!

O Rastro e a tentativa de investir no gênero

Difícil negar que é possível fazer bom cinema de gênero no Brasil. Como usei o termo “bom cinema”, evidentemente, a enxurrada de comédias nacionais não entra como argumento para essa ideia, embora La Vingança tenha sido uma luz recente no fim deste túnel. Entre exemplos bastante famosos, Tropa de Elite – além de sua continuação – na linha do policial e o premiado suspense O Lobo Atrás da Porta corroboram a afirmação inicial. Uma diferença fundamental entre eles e o terror O Rastro é que este recicla os piores e mais manjados recursos do gênero, dizendo o mínimo.

Crítica do terror nacional O Rastro

O Rastro

Primeiro longa-metragem dirigido por J. C. Feyer, O Rastro acompanha o Dr. João Rocha (Rafael Cardoso). Médico responsável pela operação de transferência dos pacientes de um hospital na iminência do fechamento, ele precisa lidar com a resistência do diretor do local, um velho amigo seu (Jonas Bloch). Ao descobrir que a menina Júlia (Natália Guedes) foi internada lá um dia antes, apesar das instruções, ele se aproxima dela para garantir que tudo vai correr bem. Quando a garota some misteriosamente durante a mudança, a obsessão pela verdade o coloca em um caminho onde sua própria sanidade é questionada. Além disso, é momento delicado de sua vida, já que sua esposa Leila (Leandra Leal) espera o primeiro filho do casal.

O roteiro de André Pereira e Beatriz Manella, ambos com experiência prévia apenas em curtas, contou com um orçamento generoso para os nossos padrões. Infelizmente, o texto tem problemas sérios revelando-se ao longo da narrativa. Conforme as reais motivações por trás de alguns eventos aparecem, é impossível que o espectador não questione certas atitudes de alguns personagens, que poderiam ter evitado facilmente alguns inconvenientes.

Além disso, a ligação entre a linha principal da história e sua subtrama está… melhor dizendo, quase não existe ligação entre uma e outra. É como se alguém tivesse escrito algo para uma narrativa X, mas, ao perceber que tinha algo sem graça e genérico, resolveu criar um elemento Y para deixar a coisa mais interessante. O problema é que não é preciso pensar muito para perceber que esse elemento Y faz muito pouca diferença no contexto geral.

Crítica do terror nacional O Rastro

A própria lógica interna, se é que esse termo cabe aqui, desta trama cai por terra quando descobrimos finalmente o que aconteceu com Júlia e as consequências deste evento. A espiral de insanidade que o protagonista enfrentou até ali perde seu sentido no momento em que chega a “grande reviravolta” de O Rastro. Melhor que ninguém espere qualquer ambiguidade sutil deste filme, que seria muito bem vinda, pois tudo tenta ser absolutamente bem explicado para o público.

Uma boa direção ajudaria…

A direção poderia atenuar vários pontos problemáticos, só que não é o caso. Pouco depois de começar, já fica claro que essa é uma produção que aposta muito em jump scares. Como se isso já não fosse ruim o suficiente, essas tentativas de fazer o espectador pular de susto se apoiam aqui mais no aumento abrupto da trilha sonora do que na construção de cena. Mesmo que esses momentos fossem eficientes de alguma forma, não há dúvida que perderiam a força em algum momento. É incrível que, hoje em dia, alguns realizadores ainda prefiram investir no susto, ao invés de criar tensão genuína. Se tentassem, pelo menos, já estaria bom.

Algumas decisões do diretor chamam atenção pela sua absoluta inutilidade narrativa. Em determinado momento, um personagem é assassinado por alguém que se encontra fora do enquadramento, dando a entender que ali viria uma surpresa sobre a identidade do autor do disparo. Ledo engano, já que o matador é alguém que acaba de chegar à história, cuja revelação do rosto não tem peso algum. Difícil entender qual a lógica por trás desta escolha. A história teria mudado durante a edição? Bem, não importa muito, pois o que vale é o que está na tela.

Crítica do terror nacional O Rastro

E a parte técnica?

O aspecto sonoro do filme foi elaborado em cima desse raciocínio do exagero dos jump scares, o que o torna simplesmente incômodo em vários trechos. A fotografia é exatamente o que se esperaria de um filme com essa temática, seguindo uma relação bastante óbvia entre luz e sombra, meramente esquecível entre dezenas de outros filmes, assim como os efeitos especiais pouco notáveis. Lembrando que não há como culpar diretamente os profissionais responsáveis por essas funções, que certamente foram orientados dentro da visão do diretor.

O design de produção consegue ser convincente, pois um hospital abandonado real serviu de locação. O outro ponto positivo de O Rastro fica por conta de seu elenco, destacando Rafael Cardoso no papel principal, que consegue retratar muito bem o contraste entre sua relativa tranquilidade no início, até chegar à beira de um colapso. Os outros atores se viram bem, ainda que as incoerências do roteiro e a direção pouco inspirada de J. C. Feyer acabem ofuscando suas performances.

Criticando a corrupção política e a situação da saúde pública, O Rastro se perde ainda mais em uma ambição sui generis. Ao mesmo tempo em que procura ser relevante ao tocar neste ponto da vida real, também se contenta em ser apenas mais um filme de terror entre inúmeros descartáveis gringos, em termos de estética e narrativa. Frustrante em quase todos os aspectos, piora quando pensamos nas possibilidades deste orçamento.

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