Comédias e Dramas são talvez os gêneros mais produzidos pela indústria cinematográfica. Não que sejam fáceis de se fazer, muito pelo contrário, mas tem um grande apelo comercial. Sendo assim, é natural a grande quantidade e, consequentemente, filmes de menor qualidade tendem a aparecer. Patrice Leconte – que dirigiu o ótimo A Pequena Loja de Suicídios – é experiente e dificilmente faria um filme que fosse um completo desastre, mas com esse O Que Eu Fiz Para Merecer Isso? (Une heure de tranquillité), o diretor mostra que é possível fazer algo relaxante, de fácil acesso, porém com certa qualidade.
Michel (Christian Clavier) é um apaixonado por jazz que encontra um álbum raríssimo num sebo, mal podendo esperar para ouvi-lo, desde que seja de acordo com seus métodos. Após chegar em casa, absolutamente nada dá certo e sua esposa, seu filho, seu vizinho, e o pedreiro – fazendo uma reforma em sua casa – conseguem tornar uma tarefa aparentemente simples numa verdadeira jornada.
Leconte investe em um tipo de direção curiosa. Hábil ao extrair atuações teatrais, já que o filme é uma adaptação de uma peça, a surpresa vem ao percebermos que mesmo com a narrativa se passando 90% dentro de um apartamento, ele jamais investe em planos fechados, o que funciona muito bem, pois que trata-se de uma comédia e se o contrário fosse feito, é provável que geraria desconforto no espectador. A composição da mise-en-scène também é muito eficiente, responsável por deixar claro que aquilo trata-se de uma adaptação, mas sem soar artificial, pois funciona dentro da linguagem escolhida.
Adaptado pelo próprio diretor, é no roteiro que encontramos os maiores defeitos do filme. A trama muito simples, mas de fácil identificação, simplesmente por ser algo que pode acontecer com qualquer pessoa comum, é um chamativo para o público. Michel é um personagem fantástico: é comunicativo e extrovertido, porém é extremamente egoísta – e é sintomático que o tal disco raro, receba o nome de Me, Myself and I. Os problemas começam quando as situações adversas do protagonista começam a repetir-se muitas vezes e – por mais que o filme seja curto – esses insucessos chegam a cansar. O final também ganha um contorno um tanto quanto moralista, sendo que para uma comédia com tons de humor ácido, tal decisão acaba não soando adequada.
Muitos personagens aparecem na trama, alguns com maior ou menor relevância. Dentro do quadro, três atuações podem ser apontadas com destaque: Clavier, como Michel, Carole Bouquet, que interpreta sua esposa, e Stéphane De Groodt, que interpreta seu inconveniente vizinho. As características do personagem de Clavier já foram citadas e a maneira que o ator o compõe é realmente eficaz, já que o mesmo utiliza-se de muitos gestos para mostrar-se extrovertido. Bouquet, que tem um segredo a revelar para seu marido, é completamente diferente. Aposta em gestos minimalistas, e olhar tristonho. Já De Groodt é o típico enxerido e por mais que as atitudes do protagonista às vezes não se justifiquem, o vizinho faz por merecer o sentimento de raiva que passa ao espectador.
Apesar do excesso de moralismo ao final do filme, a intenção é sempre manter o “alto astral” e a montagem ágil (que tenta manter o espectador interessado), a música (que é agradável, e evoca o clima das”trapalhadas” que estão por vir), e a fotografia (com uma paleta bem colorida) reforçam esse sentimento.
O Que Eu Fiz Para Merecer Isso? é despretensioso, prezando pelo entretenimento sossegado. Pode não ser nenhuma obra-prima, mas tem seu valor e – com toda certeza – é um filme correto para se assistir quando se quer apenas relaxar e esquecer das coisas. Com qualidade, claro!