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O Quarto de Jack – Entre o suspense e o drama!

 A simplicidade que encanta em O Quarto de Jack!

Certamente, a grandiloquência de qualquer obra não é necessariamente sinônimo de qualidade, embora os filmes maiores ganhem mais atenção da mídia, consequentemente chamando mais atenção do público. No entanto, em qualquer temporada de grandes produções e premiações às quais concorrem, sempre aparece um exemplar mais modesto em termos de realização, que acaba provando-se merecedor de um olhar mais atencioso, independente de qualquer resultado em termos de bilheteria ou de ser premiado ou não em suas indicações.

O Quarto de Jack - poster

O Quarto de Jack

O Quarto de Jack (Room, Canadá e Irlanda) é baseado na obra homônima da escritora irlandesa Emma Donoghue, também roteirista do filme, sobre um garoto de cinco anos, Jack, que vive junto com a mãe em um quarto minúsculo e sem janelas, sempre trancado. Os únicos contatos com o mundo exterior são a pequena claraboia de vidro no teto e um aparelho de televisão.

Para o garoto, o cubículo onde mora é, literalmente, o mundo e nada existe fora dele, exceto o espaço sideral. As imagens transmitidas pela TV são fantasias vindas de outros planetas e não existem de verdade. Tudo que existe na Terra, está ali, ao seu redor e em seu alcance e não há porquê sair dali. Pelo menos, esta é a versão que a mãe conta ao filho sobre a vida naquela situação e o ponto de partida da história.

O filme, contudo, não se prende por muito tempo na relação dos protagonistas com a realidade incomum em que se encontram. Em pouco tempo, somos apresentados a uma situação muito mais sombria. O quarto, na verdade, é um cativeiro, mantido por um homem misterioso que sequestrara a mãe de Jack sete anos antes, mantendo-a  refém desde então. A mulher, que somente na metade do filme é apresentada com o nome de Joy, presta “favores” sexuais ao sequestrador em troca de itens básicos de sobrevivência e conforto.

O Quarto de Jack - Brie Larson e Jacob Tremblay

Destas relações nasce Jack, cuja mãe tenta, à todo custo, manter protegido do captor, que dá pouca importância à sua existência, exceto como ponto de contato com a prisioneira. Em certo momento, Joy começa a montar um plano de fuga em que Jack terá papel fundamental. Para isso, precisa  revelar ao menino que o mundo real vai muito além das quatro paredes do quarto.

A descoberta deste novo mundo após a fuga é o desafio que sustenta o enredo de O Quarto de Jack, menos para o garoto, que precisa se adaptar a uma realidade para a qual nunca fora preparado, do que para mãe, que precisa lidar com o momento mais difícil da vida do filho, com as pessoas em volta e – principalmente – consigo mesma,  todas transformadas pela ação dos acontecimentos. O resultado é uma forte mensagem de amor familiar, porém, curiosamente aí estão os pontos alto e baixo do filme, simultaneamente.

A obra se transforma ao longo das duas horas de projeção, o que não é necessariamente positivo para os espectadores. A excelente premissa inicial é apresentada como suspense envolvente e intrigante. O contraste entre a alegria inocente da criança e a tristeza conformista da mãe, tentando manter uma rotina de aparente normalidade em meio ao cenário claustrofóbico e ameaçador, criam uma atmosfera sombria e impactante. Personagens misteriosos, como o Velho Nick, reforçam o clima instigante.

Mudando o rumo

Mas todo o suspense é desfeito em pouco mais de meia hora de filme e uma nova história começa. A apresentação um tanto brusca dos fatos e o fim desse aspecto inicial, com certeza, fizeram muita gente franzir o cenho durante as cenas de transição. O suspense dá lugar ao drama em O Quarto de Jack. Não mais cativos, Joy e Jack vêem que a saída na prisão é bem mais lenta do que imaginavam. Esse mote é tratado de forma convincente, mas a comoção parece passar a ser o objetivo central da direção a partir de agora.

O diretor Lenny Abrahamson (Frank, 2014) usou ótimos recursos para construir a aura da narração, mas deixou de lado outros importantes. A fotografia é muito boa. O aspecto ambíguo da criança, que à primeira vista não se pode identificar como menino ou menina, com cabelos longos e figurino neutro (o nome Jack, em inglês, pode ser tanto um diminutivo para John ou contração de Jackeline), leva a questionamentos sobre a construção da identidade em mundo que é só seu ou o que nos tornamos em uma situação degradante e desumana. Aqui, a presença infantil não é um recurso barato para comover o público e disfarçar uma estrutura frágil, como no caso de Uma Viagem Extraordinária (2014).

É desperdiçado, no entanto, um aspecto importante do livro e que no filme vira apenas adereço dramático, que é a narração da história pelo próprio Jack. Todos os dramas e descobertas são contados pelo ponto de vista da criança, o que poderia aumentar e muito a sensibilidade do conteúdo. O filme prefere colocar a mãe como ponto focal e a narração em off da criança pouco contribui para sensibilizar o público, servindo mais para informa-lo dos desdobramentos da trama.

O Quarto de Jack - Brie Larson e Jacob Tremblay

A transição entre gêneros gera problemas no roteiro em O Quarto de Jack que podem incomodar e deixar uma sensação incompletude. Personagens importantes – ou que poderiam ser – cumprem papel burocrático e desaparecem, deixando expectativa não atendida. Outros aparecem, prometem que vão ter alguma função importante no quadro dramático que se desenrola, mas também somem sem deixar vestígios. Quando os créditos finais aparecerem, você vai se perguntar sobre algumas pessoas do filme. Algumas passagens também insinuam algum desdobramento dramático, mas não cumprem, aumentando a impressão de que faltou algo.

Apesar de problemas importantes, o saldo final é positivo, principalmente pela excelente atuação de Brie Larson (O Apostador, 2014), que segura o público como uma mãe aflita com o bem-estar do filho e insegura quanto ao mundo à sua volta. A angústia de Joy é expressada em cada olhar de Larson, sem apelar para tons exagerados ou comoção forçada. Destaque também para o pequeno Jacob Tremblay, muito convincente como Jack, uma criança ao mesmo tempo mimada e dona do seu mundo, porém sofrida quando é obrigada a abandoná-lo.

O Quarto de Jack venceu o Grande Prêmio do Público no Festival Internacional de Cinema de Toronto 2015, consagrando uma história que nos diz como o amor pode sobreviver à própria destruição do mundo, e sobre como esse mesmo mundo pode ser construído, destruído e reconstruído apenas pela força das ideias. Interessante pela mensagem, o filme vale o ingresso. Quando Jack volta ao quarto algum tempo após ser libertado, percebe o quanto ele diminuiu. O nosso mundo é do tamanho que atribuímos a ele.

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