O Outro Lado da Esperança atinge um raro equilíbrio em sua proposta
O Outro Lado da Esperança (Toivon tuolla puolen), co-produção entre Finlândia e Alemanha, parece um filme de poucas palavras. Leva quase 20 minutos para ouvirmos o primeiro diálogo. Até lá, som e imagem são usados para nos conduzir pelas histórias de dois homens em transição.Porém, engana-se quem acha que o filme de Aki Kaurismaki é apenas um ensaio visual. O storytelling está todo ali, num tom entre o cômico e o trágico que impressiona.
Mesmo com pouquíssimas palavras, o filme usa de diversos recursos cinematográficos para nos mostrar uma realidade sofrida e contemporânea, que é a situação dos refugiados da Síria (e de outros países em guerra) que pedem asilo político na Europa.
Khaled Ali (Sherwan Haji) tenta encontrar um lugar em Helsink, Finlândia, para uma nova vida depois de sua tragédia pessoal. A situação é análoga à de Waldemar Wisktröm (Sakari Kuosmanen), um comerciante local que resolve largar a esposa e abrir um restaurante. Ambos querem uma nova chance numa realidade que não conhecem.
Para começar, existe uma preocupação na fotografia que faz com que uma produção de 2017 tenha toda a estética dos filmes dos anos 80. Isso, é claro, também na direção de arte. A trilha sonora, toda inserida na cena, o que chamamos no cinema de “diegética”, dá o clima.
A obra ataca muito bem o contexto social de preconceito, xenofobia e isolamento que o personagem de origem árabe passa no país escandinavo, mas sem apelar para o panfletário. As situações de ambos os protagonistas são espelhadas através do tema das cenas: solidão, mudança, desorientação, fuga e busca.
Construindo um relacionamento crível
Mas os personagens não são parecidos entre si. E são suas particularidades que fazem com que eles interfiram na vida um do outro, quando o comerciante contrata o refugiado para seu restaurante. Wisktröm apresenta uma “carapaça”, um casco em sua personalidade que o impede de ser manipulado, mas o mantém afastado das pessoas como se escolhesse o isolamento. Já Khaled é alguém que se apresenta sempre em uma situação de refém de suas penúrias. Seu isolamento é imposto e suas escolhas passam pelas mãos de várias pessoas. A própria aprovação de seu refúgio na Finlândia é um exemplo disso.
O realismo irônico do diretor traz a impressão de que aquela situação é absurda e propositadamente forçada. Isso é feito de uma maneira genial. Ela incomoda e prende ao mesmo tempo.
A forma apática com que Khaled lida com seus problemas mostra uma pessoa maltratada pela vida, mas que se apega a ela justamente pela falta de opção. Quando perguntado sobre como se sentia no momento, o sírio responde com uma sinceridade tão simplória que chega a doer: “estou sempre bem”. A comparação inevitável com Wisktröm e seu afastamento é o que faz os dois tão vívidos.
O diretor tem uma extensa filmografia e apresenta um estilo agridoce. Seus filmes buscam um equilíbrio entre a apresentação do drama social e uma comicidade irônica, usando o absurdo das situações para entreter, mas também fazendo pensar. Aqui, ele parece ter atingido seu auge. Com um roteiro que sabe muito bem guiar e balancear as narrativas dos protagonistas enquanto separados e que os junta de maneira interessante, e um ritmo que atrasa ou acelera a edição para que possamos saborear os sentimentos dos personagens como um prato do restaurante que os une, o filme é uma pequena iguaria que presenteia nosso paladar de cinema.
O Outro Lado da Esperança (título bastante literal) é um filme que é pesado como um tijolo, mas narra com a leveza de uma pluma. O verdadeiro “tapa com luva de pelica”.
(Conheça a série de artigos Caminho de Formiga, onde o autor desta crítica fala sobre roteiros. Parte 1 – Parte 2)