A obra de Olavo de Carvalho em O Jardim Das Aflições
Muito já se foi dito sobre Olavo de Carvalho e O Jardim Das Aflições, documentário que aborda parte de sua obra. Enquanto o primeiro causa polêmica desde que surgiu no cenário intelectual do país na década de 1990, com o seu livro O Imbecil Coletivo, o segundo passou a chamar atenção depois do mico cometido por sete “cineastas” que retiraram os próprios filmes do Cine Pernambuco porque não concordavam com a sua presença no festival. No entanto, para todos aqueles que são adultos e desejam ignorar os comentários vazios, preferindo entrar em contato com o conteúdo propriamente dito, está na hora de sair de casa e ir conferir nos cinemas este ótimo longa de Josias Teófilo.
Dividido em três partes (que compreendem cada um dos atos e versam sobre diferentes aspectos da obra de Olavo) e acompanhando o filósofo tanto nos seus momentos mais descontraídos quanto nas respostas que oferece a um entrevistador, o filme é uma imersão sensorial no intelecto de um homem livre, desprendido de todas as amarras e que bate continência somente à verdade, mesmo que isso acabe gerando diversos inimigos ou ocasionando a ojeriza da classe intelectual. De fato, a realidade e a verdade acerca desta não são facilmente aceitas pelas pessoas. Quase sempre, preferimos ignorá-la a admitir sua irredutibilidade.
Porém, a aceitação da realidade como um pressuposto essencial para a liberdade individual e a prática da filosofia não é somente o centro das discussões, mas também a base da qual outros assuntos, como a situação política brasileira, o núcleo temático dos discursos ideológicos e até mesmo o percurso biográfico de Olavo emergem e se transformam em mais uma das várias ramificações que a obra propõe ao espectador. Acima de qualquer polêmica ou divergência de ideias, o que reina no longa é a filosofia como o meio mais capacitado para a compreensão de todos os elementos circundantes.
No que diz respeito à estrutura narrativa adotada por Josias Téofilo (que também escreveu o roteiro), essa construção, na qual diversos tópicos de discussão giram sobre uma base comum, vai plenamente ao encontro do livro que dá nome ao documentário, cuja estrutura em espiral, a qual o poeta Bruno Tolentino comparou com as composições de Jean Sibelius, é muito similar ao do longa. Aliás, de maneira inteligente, Teófilo usa repetidamente o trecho de uma música do compositor, transformando-o em um tema assinalador. Para completar, o fato de que, durante o filme, Olavo distribui somente pedaços de sua filosofia rima com a estrutura de seu próprio trabalho, uma vez que as suas opiniões se dividem em livros, aulas, apostilas, artigos e vídeos.
A estética de O Jardim Das Aflições
Já do ponto de vista técnico, Teófilo acerta no emprego de planos longos durante as falas de Olavo. Ao invés de usar cortes desnecessários, ele mantém a câmera ligada e deixa o entrevistado à vontade, o que acaba sendo importante para que o impensado e o imprevisto surjam. Em certo momento e em outras palavras, Olavo diz que a filosofia é a consciência de um indivíduo no seu processo de entendimento interno e externo. Sendo assim, faz total sentido que as lentes do cineasta contemplem o sujeito no seu pleno momento de compreensão e criatividade.
O mesmo pode ser dito da plasticidade dos enquadramentos de Teófilo e da fotografia de Daniel Aragão, afinal de contas, um conteúdo tão profundo precisa ser acompanhado por uma espécie de transcendência estética. E esta se dá, principalmente, graças à sensibilidade de fotógrafo de Josias, que compõe quadros simetricamente perfeitos, e às escolhas feitas por Aragão, que consistem no uso de lentes de grande alcance visual (remetendo ao estilo de Emmanuel Lubezki, o diretor de fotografia de O Regresso) e movimentos de câmera precisos, características marcantes de cineastas espiritual e esteticamente transcendentes como Terrence Malick e Andrei Tarkovski.
Assim, O Jardim Das Aflições termina por se revelar uma obra de arte visualmente arrebatadora e, mais importante do que isso, intelectualmente poderosa. No momento atual do cinema brasileiro, em que longas sem ética alguma, como o recente Comeback: Um Matador Nunca Se Aposenta, são altamente celebrados, esta obra de Josias Téofilo é uma esperançosa luz no horizonte. Por fim, lembrando do que aconteceu no Cine Pernambuco, fica o seguinte conselho para os cineastas que retiram as suas obras da seleção oficial: antes de protestarem contra um filme, busquem vê-lo. Se tivessem feito isso, tenho certeza de que não passariam a mesma vergonha.