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O Homem nas Trevas – Justiça cega?

O Homem nas Trevas

É uma trama básica, se repetindo no gênero do terror desde sempre. Uma ou mais pessoas tentam se dar bem praticando um crime, mas percebem depois que caíram em uma situação em que seria melhor ter ficado em casa. Claro, mesmo desta premissa é possível que saia um grande filme, no entanto, não é o caso deste O Homem nas Trevas (Don’t Breathe), mas a advertência de seu título original é bem adequada, já que a plateia também vai prender a respiração em vários momentos. Ou seja, de qualquer forma, é algo acima da média e merece que várias de suas qualidades sejam observadas.

Concebido pelo diretor uruguaio Fede Alvarez, co autor do roteiro com Rodo Sayagues e repetindo a parceria que deu origem ao remake legal de Evil Dead, em 2013, o filme tem um primeiro ato muito bem construído. Apresentando um trio de jovens ladrões praticando furtos em casas abastadas, a dinâmica entre Alex (Dylan Minnette), Rocky (Jane Levy) e Money (Daniel Zovatto) é bem clara. Alex não é mau, mas se aproveita do emprego de seu pai em uma empresa de segurança para conseguir informações e os códigos dos alarmes, algo que entendemos que é para ajudar Rocky, por quem ele é apaixonado. A garota tem seus próprios problemas domésticos que a motivam a ganhar dinheiro para sair da cidade, mas Money, seu namorado, é a verdadeira má influência dentro do trio e o mais à vontade na ocupação de criminoso.

O Homem nas Trevas

Roubando apenas objetos de valor e repassando  a um receptador, para evitar penalidades mais duras caso sejam pegos, o trio mantém esse procedimento até que Money descobre uma oportunidade de conseguir valor em espécie. Com a informação de que um morador solitário de uma vizinhança semi-abandonada recebeu uma grande indenização,  guardando dinheiro vivo em casa, o relutante Alex aceita participar depois de muita insistência. Adicionando mais um elemento dramático comum destas situações, esta seria a última vez que eles roubariam, claro. O problema é o passado militar do tal morador (com Stephen Lang, de Avatar, neste papel, o que mais ele poderia ser?), mas, chegando lá e observando de longe, descobrem que se trata de um cego. Moleza, não?

Já era bola cantada que eles comeriam o pão que o diabo amassou nas mãos do deficiente visual endiabrado, mas a surpresa é que isso garante um segundo ato fantástico para esta narrativa curta, com menos de 90 minutos no total. Fede Alvarez mostra uma grande evolução de seu filme anterior até aqui, com um trabalho de câmera muitíssimo esperto na construção de uma tensão crescente, sem atrapalhar-se com o espaço apertado do interior da casa.

O Homem nas Trevas

Óbvio que esta premissa exige um certo grau de boa vontade do público, mas a forma como o filme se leva, com uma decupagem clara e bem pensada, merece destaque. É evidente que a figura de Stephen Lang é fundamental para “comprar” a história, mas só ele não seguraria o filme. Também vale mencionar que o cineasta também foi muito feliz na elaboração de seus jump scares, momentos em que o público é surpreendido abruptamente, sem telegrafá-los em momento algum, diferente do fraco e recente Quando as Luzes se Apagam.

Os elogios não param por aí e é incrível como a parte técnica do filme funciona como um relógio, humilhando a maior parte dos filmes de terror genéricos que aparecem ano a ano. A fotografia do compatriota Pedro Luque, lidando com a dificuldade característica dos ambientes escuros, não entra em conflito com a narrativa em momento algum, ajudando a manter os acontecimentos nítidos para o espectador, mas sem esquecer que o clima precisa ser assustador. O desenho de produção de Naaman Marshall – diretor de arte no segundo e terceiro Batman de Christopher Nolan e O Abutre – complementa bem o visual.

O Homem nas Trevas

Além de uma mixagem de som à altura e em harmonia com o que já foi dito, a trilha composta por Roque Baños, que também trabalhou com Alvarez em Evil Dead, é a cereja nesta construção narrativa, cumprindo sua função sem exagero e sem entrar rasgando, colocando a cena a perder – como temos visto muito por aí, não apenas neste gênero. Ufa! Está bom em matéria de elogios? Que bom, pois agora é a parte chata…

Tudo estava ótimo ao apresentar os personagens, delineando bem o pano de fundo de cada um sem enrolação, com motivações convincentes, diga-se de passagem. Depois entramos na casa e a coisa engrenou de vez, revelando um cego que realmente dá medo, então o que deu errado depois? Em uma palavra: roteiro. Em seu terceiro ato, O Homem nas Trevas força a barra duplamente. Primeiro, até ali, vínhamos aceitando bem as habilidades deste senhor cego, porém casca grossa, mas chega um ponto onde detalhes são revelados e a verossimilhança cai vertiginosamente. A partir daí, a impressão é que Alvarez e Sayagues não tinham ideia de como terminar o texto e, na pressa, deixaram de se importar e correram o risco de estragar tudo.

O Homem nas Trevas

Isso nos leva ao segundo tópico, pois, junto com o primeiro, também começa uma reviravolta em cima de outra, o que fatalmente acaba cansando. São tantas, igualmente difíceis de engolir, além de percebermos – já perto do término – que a montagem nos revelou demais. O fechamento desta trama também ignora várias pontas soltas, onde a dupla de roteiristas teria sofrido um pouco para resolver. É uma pena mesmo chegar a esse final em um filme que estava indo tão bem.

O Homem nas Trevas vale o seu tempo, isso é indiscutível, mas frustra um pouquinho quando abusa em tentar surpreender. Neste momento, parece aquele colega de trabalho chato, naqueles dias em que manda uma piada atrás da outra porque ninguém riu da anterior. Bem, se o forte de Fede Alvarez não é realmente a escrita, como diretor ele é uma grande promessa. Será que ele não dirigiria o roteiro de outra pessoa?

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