O romance O Filho Eterno, de Cristóvão Tezza, ganhou vários prêmios literários por ser uma narrativa densa e perturbadora: um monólogo de um pai que não aceita o filho com Síndrome de Down, algo inaceitável nos dias de hoje, mas totalmente normal no contexto dos anos 1980, já que ali a doença era denominada como Mongolismo.
Chegando ao filme homônimo, o roteirista Leonardo Levis e o diretor Paulo Machline entenderam que não era possível adaptar a obra para ser agradável ou palatável aos espectadores, pois o narrador do romance não tinha a intenção de aliviar para o leitor a visão agoniante de um pai em conflito consigo, muitas vezes conotando sua incapacidade de amar. A voz over, que comenta fatos ou pensamentos, muitas vezes apelativa por anular a imagem, potência da arte cinematográfica, é um dos exemplos dos acertos do filme, pois não é imaginável como a frase “Senti as minhas pernas, elas não aguentariam o peso de minha alma” seria traduzível em imagens.
Mas como Cinema e Literatura são linguagens distintas, o ator Marcos Veras, no papel do pai Roberto, não daria conta do filme todo com sua boa performance. Na obra literária, a linguagem, por meio de seu caráter dialógico, constrói um contraponto para si mesma, o que muitas vezes não é possível na cinematografia. Criar, então, a personagem Cláudia (Débora Fallabella), uma mãe exposta de forma emocional sem contradição alguma, pois revela um amor incondicional, foi outra atitude acertada.
A narrativa, cobrindo a década de 1980 e um dos seus eixos em torno da seleção brasileira, é uma particularidade que reforça os elementos da sensibilidade do filme. O nascimento do filho no mesmo dia fatídico da derrota para a Itália em 82 pontua a dramaticidade que percorrerá toda a história. Como a seleção sempre foi um mito capaz de compor a identidade de um povo, é fato acertado utilizá-la como elo agregador entre pai e filho.
Outro fator marcante é a fluidez da performance de Pedro Vinícius, no papel do filho Fabrício, o que gera uma multiplicidade simbólica em relação ao tema do filme. Um ator juvenil com Síndrome de Down demonstrar tamanha espontaneidade num filme denso como este é em si já a própria dicotomia referente a elementos discursivos do pai Roberto. Ao mesmo tempo, o espectador, a partir do carisma de tal personagem, reforça sua aflição, torcendo para que o pai resolva seus conflitos. A crueldade exposta é uma das virtudes artísticas da obra, pois ela é a abordagem original de um tema tão caro à Literatura e ao Cinema, a relação entre pais e filhos.
O único ponto negativo do filme é a trilha sonora, demasiada presente e piegas. Não que um fundo musical não faça sentido, mas o diretor parece querer apelar para a música quando que em determinados momentos o silêncio poderia ser muito mais potente na construção da emotividade. O espectador não deve ser forçado a sentir, os elementos da obra por si já são suficientes.
No entanto, com um desfecho catártico, O Filho Eterno entrega o que promete durante toda a narrativa. É de uma poesia tocante utilizar a Copa de 1994 como uma resolução para o fantasma de 1982, e no caso de Roberto e Vinícius, os fantasmas e as glórias desta relação pai e filho serão eternos, assim como a tragédia do Sarriá. Os fatos que rompem a “normalidade” da vida podem fazer dela algo sem sentido, mas é na construção do sentido dela, através da compreensão de sua “anormalidade” que se dá a ela a eternidade que nós merecemos.