Filmes biográficos costumam sofrer de um grande problema: a ausência ou distorção de fatos. Seja por vontade dos produtores (para que o filme não banque o iconoclasta para cima do espectador), seja por opção de roteiro (para que haja maior empatia e identificação com o personagem), ou simplesmente porque aqueles que detém os direitos da obra o quiseram. O Dono do Jogo (Pawn Sacrifice) parece não se encaixar no caso e procurar outro foco, bombardeando o público com informações a respeito do que a genialidade custou ao protagonista. Ponto para Edward Zwick (diretor) e Steven Knight (roteirista)? Claro, mas talvez eles tenha se sentido confortáveis demais com esse acerto e relaxado depois, pois deslizam em outros pontos, deixando um ar de frustração pairando ao término da exibição.O filme mostra a história de Bobby Fischer (Tobey Maguire), o enxadrista mais importante – e primeiro campeão mundial – da história dos Estados Unidos. A narrativa acompanha Fischer desde sua infância – onde já mostrava todo seu potencial – até o término do que é considerada a maior partida de xadrez de todos os tempos, disputada contra Boris Spassky (Liev Schreiber).
Zwick, que em 2006 dirigiu o ótimo Diamante de Sangue, aparece bem mais inconsistente e irregular neste trabalho. Se por um lado ele acerta na construção do clima de tensão – chegando a induzir o espectador a acreditar que pode haver algo errado acontecendo – usando planos fechados, principalmente em detalhes do que Fischer acredita ser uma escuta, ou até mesmo pessoas da platéia cochichando e atrapalhando a concentração do enxadrista, por outro ele erra ao optar no uso da câmera solta na tentativa de registrar imagens em caráter documental. A prática – principalmente quando usada mais de uma vez – torna-se artificial demais, fazendo que qualquer imersão naquela diegese seja prejudicada. Créditos também devem ser dados à maneira em como o uso da música e do silêncio alternam-se durante as partidas, contribuindo muito para o surgimento dessa mesma tensão.
Se Zwick é irregular, Knight é preguiçoso e não parece a mesma pessoa que escreveu Senhores do Crime (2007) e Locke (2013), este último dirigido por ele mesmo. Seu roteiro até consegue um bom desenvolvimento de Fischer desde sua infância, mostrando como sua condição prejudicou sua vida e como o xadrez servia como uma espécie de fuga. O problema é que a partir da entrada de Spassky na trama, o maniqueísmo assola tudo até ali construído. O embate entre é EUA X URSS, bem X mal, Rocky X Drago. É, já vimos isso antes. Outro ponto é o drama familiar, que ainda no primeiro ato é introduzido, mas logo é esquecido e torna-se completamente dispensável na trama. A mãe de Fischer, por exemplo, é lembrada nos 20 primeiros minutos, retomada somente nos 10 minutos finais. Não há o peso dramático necessário, o que é uma pena, já que tudo isso provavelmente influenciou o comportamento do ex-campeão mundial.
São quatro os personagens centrais: Fischer, Spassky, Paul Marshall (Michael Stuhlbarg), e o padre Bill Lombardy (Peter Sarsgaard). Em uma tradicional jornada do herói, Marshall e Lombardy funcionam como mestres, sendo assim, não tem muito espaço comparando com o protagonista. Tanto Stuhlbarg quanto Sarsgaard tem atuações funcionais, sem grande destaque. Maguire brilha ao retratar, através de seus tiques, toda a paranóia de Fischer. A imersão é tanta que em momento algum lembramos daquele ator que deu vida ao Homem-Aranha no início dos anos 2000, com toda uma instabilidade mental extremamente convincente. O mesmo serve para Schreiber, que possui também uma forte caracterização física aqui. Com suas poucas falas, seus gestos minimalistas e postura intimidadora, fica difícil não desconfiar e incomodar-se com a presença do personagem. Destaque também para o trabalho de sotaque do ator, que realmente remete de um nativo da antiga URSS.
Fotografia e direção de arte completam-se. A primeira carrega na textura e cores dessaturadas, já a segunda faz sua parte com diversos elementos das décadas de 50/60 (carros, objetos, etc.) e a funcionalidade de ambas aparece nos antagonistas. Todos vestem cores escuras com seu figurino de época, em ambientes mais escuros para criar uma imagem intimidadora. Trabalho muito eficiente que se destaca no filme, ao lado das atuações.
O que fica de O Dono do Jogo é uma imensa sensação de potencial desperdiçado. Uma boa premissa com esses personagens não aparece sempre. Falta paixão e empolgação em Zwick e Knight, elementos que podem ser encontrados em diretores e roteiristas mais jovens, que dariam tudo para ter uma oportunidade como essa. É melhor que esses senhores caprichem mais em seus próximos trabalhos, caso contrário, sempre existe alguém pronto para tomar seus lugares. E aí…Xeque Mate!