O Assassino: O Primeiro Alvo é um thriller de espionagem
Tão importante quanto a história de um filme é o protagonista. Durante a escrita de um roteiro, se o personagem principal não for bem construído, a trama não se desenvolve, uma vez que são os seus conflitos, ações e reações que indicam a ordem dos acontecimentos. Até mesmo quando as situações estão fora do seu controle, é na passividade de sua posição que se estabelece a direção dos próximos passos. Portanto, para que o roteirista seja bem-sucedido, é essencial que os protagonistas das histórias sejam desenvolvidos corretamente. Caso contrário, o que se tem é um filme como O Assassino: O Primeiro Alvo (American Assassin), em que o resultado final é comprometido pela incoerência do personagem principal.
Dirigido por Michael Cuesta (O Mensageiro) e adaptado do romance homônimo de Vince Flynn por quatro mãos (uma delas é a de Edward Zwick, o diretor de Jack Reacher: Sem Retorno), o filme se concentra nos dramas de Mitch Rapp (Dylan O’Brien), um jovem decidido a se vingar dos terroristas responsáveis pela morte de sua esposa. No entanto, quando está prestes a realizar o seu plano, as forças militares norte-americanas acabam atrapalhando-o. Inicialmente, a sua reação é raivosa, mas, ao descobrir que a CIA deseja transformá-lo em um agente, ele aceita se tornar um oficial dos Estados Unidos.
Começando com um plano-sequência impactante, no qual os cortes são imperceptíveis e a manipulação do frame rate fornece urgência aos movimentos corporais – os quais, por sua vez, são captados com intensidade e nitidez pela steadycam -, O Assassino: O Primeiro Alvo é eficiente nas cenas de ação e na construção de sua trama. Embora simples, a história mantém o espectador interessado, e o quarteto de roteiristas mostra coragem ao enfrentar no clímax um conflito que seria negligenciado por qualquer filme do gênero realizado atualmente (é uma pena que a solução encontrada pelos quatro e os efeitos digitais da cena sejam tão decepcionantes).
Além disso, eles preservam os aspectos detetivescos mesmo depois de terem introduzido o período de treino do protagonista. Os vários minutos em que este se encontra sob o crivo de Stan Hurley (Michael Keaton, visto recentemente em Fome De Poder) poderiam acelerar indevidamente as investigações posteriores, mas, da forma em que esses dois blocos narrativos foram dispostos, tanto o treinamento quanto a maior parte do segundo ato atingem os seus respectivos objetivos: estabelecer a ligação emocional de Mitch com o seu mentor – a atuação carismática e parcialmente caricata de Keaton é importante na criação desse elo – e atrair a atenção do público para os segredos e traições da história, respectivamente.
Quem é Mitch Rapp?
Todavia, se essas características são consideradas positivas quando analisadas friamente, elas perdem todo o propósito a partir do momento em que a força movimentando-as é um personagem incoerente e contraditório. É difícil se compadecer dos conflitos internos de um sujeito que acorda segundos antes do interrogatório mais importante de sua vida; ou que age normalmente semanas depois de ver o plano que dava significado à sua existência ser sabotado pelo exército estadunidense; ou que aceita de bom grado uma imposição que lhe é feita (a atuação apática de Dylan O’Brien não contribui).
Em si mesmas, quando colocadas sob uma lupa analítica, essas inconsistências podem ser julgadas separadamente, sem que os méritos supracitados sejam corrompidos. Porém, como disse no primeiro parágrafo, desenvolver uma trama é a mesma coisa que construir o protagonista. São sempre os aspectos deste último que ditam os locais aonde a história se desenrolará, quais são os personagens que estarão ao seu redor, a sequência de eventos, os conflitos e o encerramento da trama.
Portanto, não é de se estranhar que a problemática caracterização de Mitch acabe sabotando o nosso envolvimento emocional com o filme e a própria estrutura do roteiro. Se a frustração proveniente do assassinato por mãos alheias do seu maior antagonista e a obrigação de exercer uma função a contra-gosto tivessem sido usadas como fonte de drama pelos responsáveis – como deveria ter sido, seguindo a lógica estabelecida pelo próprio longa -, o segundo e terceiro atos não recorreriam a uma sub-trama desnecessária envolvendo o passado de uma agente iraniana e a um conflito supérfluo sobre a possível inumanidade do treinamento militar – que, além de explicar pobremente as motivações do vilão interpretado por Taylor Kitsch, também tem a intenção absurda de colocar os terroristas islâmicos em um pé de igualdade com os oficiais norte-americanos.
Assim, este longa se torna ineficaz como narrativa cinematográfica, uma vez que os seus méritos técnicos são prejudicados pela indefinição do seu protagonista. Porém, serve como um exemplo dos poderes disruptivos exercidos por um personagem construído levianamente, afinal, se as suas características principais não são plenamente conhecidas pelo criador, não há nenhum motivo para tocar o lápis na primeira página em branco do roteiro. Aqueles que colocam a carroça na frente dos bois costumam obter equívocos como O Assassino: O Primeiro Alvo.