Nocaute foi comentado no Formiga na Cabine!
Estreia de peso, Nocaute (Southpaw) é a mais recente produção do diretor norte-americano Antoine Fuqua (Dia de Treinamento, Invasão a Casa Branca), que traz no rótulo um excelente trabalho de transformação do cada vez melhor Jake Gyllenhaal. A produção chega ao Brasil após uma relativamente bem-sucedida estreia nos Estados Unidos, no final de julho, permanecendo por várias semanas entre os cinco filmes mais vistos no período, embora com bilheteria abaixo de outras produções que já ocuparam a mesma posição no ranking.
Para construir seu filme, Fuqua apostou no talento crescente que Gyllenhaal vem demonstrando para viver personagens complexos, no limite do anti-heroísmo. De fato, o ator, que passou um processo de transformação física extraordinário para viver o boxeador Billy “The Great” Hope, impacta ao primeiro olhar. Contudo, a excelente performance física do protagonista funciona apenas como uma cortina de fumaça para um talento mal aproveitado no resultado final. Gyllenhaal é o ponto mais alto do filme, mas aquém do esperado quando comparado a trabalhos recentes do ator, como em O Abutre (2014) e O Homem Duplicado (2013).
Gyllenhaal não é uma exceção no subutilizado elenco abrilhantado desta produção. Todos estão bem em cena, porém limitados. Rachel McAdams (Sherlock Holmes, Meia-noite em Paris) no papel da dedicada esposa Maureen, se esforça para fugir dos estereótipos que o roteiro insiste em impingir na personagem. Não muito diferente é a situação de Forest Whitaker (O Mordomo da Casa Branca, O Último Rei da Escócia), um dos melhores atores da atualidade, aqui em mais uma bela performance, ainda que travada pelos clichês que a participação do seu personagem, no flanco de acontecimentos, o obriga a seguir. Destaque também para Oona Laurence, atriz mirim de teatro que estreia na tela grande como a filha de Billy Hope.
Tecnicamente impecável, Nocaute cai pelo peso de um roteiro previsível e melodramático em excesso. Após uma cena de abertura arrebatadora, capaz de fazer o espectador se revirar na cadeira, o filme desce para uma infindável série de cenas padrão, que martelam mensagens com a sutileza de um elefante em loja de cristais. Temos um campeão perfeito (resiliente, como devem ser todos os heróis do boxe de cinema), temos a vida perfeita (com dinheiro de sobra, a ponto de se distribuir relógios rolex para os amigos) e temos a família perfeita (uma esposa absurdamente linda, amorosa e sinceramente preocupada com o bem-estar do marido, além de uma filha tão encantadora como devem ser todas as filhas).
O que pode acontecer na vida de um herói do boxe que tem tudo o que sempre desejou após uma infância de privações? Você já viu esse filme e sabe a resposta: perder tudo repentinamente. O que fazer em seguida? Sofrer muito e – claro – se reerguer da forma mais glorificante possível. Nocaute bebe na bem-sucedida, mas já ressecada fonte que originou pérolas do cinema como Touro Indomável, Luta pela Esperança, Rocky (Rocky III e Rocky IV são referências claras), Menina de Ouro, Hurricane: o Furacão, A Grande Esperança Branca, entre outros. Todos têm em comum a glória da ascensão e o choque que abala as estruturas do campeão, que precisa provar que de fato merece esse título.
Se você é fã dos filmes sobre boxe com certeza reconhecerá todos esses personagens e a participação deles no curso da história, após relacioná-los com diversos outros de produções pregressas. Nos primeiros quinze minutos, o espectador já vislumbra os acontecimentos de todo o restante do filme e, infelizmente, acerta não somente o conteúdo, mas também o formato. A previsibilidade é remendada com um melodrama choroso, cujas cenas, forçando na intenção de emocionar, são responsáveis pelos principais furos conceituais do roteiro.
Justamente por usar e abusar das características clássicas do gênero, Nocaute deve agradar fãs do esporte ou do estilo dramas de superação. Maquiagem, figurino e fotografia são trabalhos primorosamente desenvolvidos, embalados por uma trilha sonora muito bem escolhida. A qualidade técnica pode até conquistar um número de alto de espectadores ao redor mundo, mas não o salva de uma mesmice, que só não o leva ao esquecimento devido brilho de um elenco admirável em qualquer circunstância.