A tragédia que inspirou Herman Melville, autor do clássico Moby Dick, rendeu um livro fantástico de não ficção escrito pelo historiador Nathaniel Philbrick. O drama dos sobreviventes do baleeiro Essex, afundado em 1820 após sofrer o ataque de um cachalote enfurecido, é um dos relatos conhecidos mais chocantes e curiosos, primeiro pela reação inesperada e inédita do animal, revidando contra seus perseguidores. Segundo, pelo questionamento do que o ser humano é capaz quando colocado em uma situação extrema: Meses à deriva em alto mar, com recursos muito escassos.
Pelo ano em que o livro foi lançado (2000), até que demorou bastante para Hollywood produzir sua versão da saga. O homônimo No Coração do Mar (In The Heart Of The Sea) é um filme que, evidentemente, chama atenção de quem conhece o livro, ou sabe alguma coisa do caso verídico, já que o potencial dramático de um evento como esse é indiscutível. Infelizmente, o problema começa quando a aposta não é na história, mas em fórmulas prontas manjadas, como uma narração explicativa inicial e um didatismo inútil na figura de um jovem Herman Melville (Ben Whishaw), procurando um dos sobreviventes do Essex, cerca de trinta anos depois, para que este lhe conte o que realmente aconteceu. Vencendo a relutância de Tom Nickerson (Brendan Gleeson), começa o flashback.
A partir daí é necessário contextualizar. A ilha de Nantucket, em Massachussetts, vivia à custa da caça às baleias, cujo óleo era uma peça bastante importante na economia dos EUA. Quando Owen Chase (Chris Hemsworth) não recebe seu sonhado cargo de capitão do Essex, a administração local o convence a embarcar ainda como primeiro imediato, subordinado a George Pollard (Benjamin Walker), que está ali apenas pela influência de sua família. O jovem Nickerson (Tom Holland) é apenas mais um tripulante novato, testemunhando o relacionamento tenso entre os dois, antes e depois do ataque que causa o naufrágio. Tudo isso potencializado pela cota enorme de barris de óleo, exigida pelos empregadores, que se comprometeram a trazer na volta.
Dirigido por Ron Howard, que tem alternado sua carreira entre bons momentos e adaptações de livros de Dan Brown, a partir de um roteiro do pouco expressivo Charles Leavitt, No Coração do Mar já força um pouco ao colocar Melville como personagem. Seu segundo equívoco estrutural é a narração por um personagem descartável no quadro geral, sacrificando muito do elemento dramático que a relação entre Chase e Pollard, entre outros pontos, poderia render. Basta assistir a outro trabalho do diretor, Frost/Nixon, para perceber o que ele poderia ter realizado com um texto melhor. Outra decisão preguiçosa é tentar se parecer mais com Moby Dick do que o próprio caso que inspirou o clássico, procurando criar um vilão vingativo na figura impessoal do cachalote, mas deixando de lado – convenientemente – o detalhe do impacto ecológico da caça às baleias.
Apesar desta deficiência conceitual, além da falta de verossimilhança nos efeitos especiais em um ou outro momento, o filme ainda tem alguma força graças ao apelo inerente às histórias de sobrevivência. Quando o grupo precisa enfrentar a situação de fome e sede em total incerteza, a narrativa fica mais interessante e tensa. Não chega a compensar os equívocos, mas é o bastante, pelo menos, para salvar este drama de afundar, com o perdão do trocadilho. Howard é um diretor que conhece os truques do cinema comercial, conseguindo manter o ritmo pelas duas horas de duração, mas milagres não existem quando sentimos que todo o resto é comum e esquecível. Não há como defender aspectos técnicos que soam apenas corretos, pois com a quantidade de dinheiro em jogo, isso é mera obrigação.
No Coração do Mar vale a sessão, mas não é inesquecível ou qualquer outro adjetivo do tipo. Desperdiçando a fonte disponível, ignoraram que a vida real pode ser mais estranha e interessante que a ficção. Quando isso acontece, na dúvida, é melhor aceitar o que já veio quase pronto e não inventar muito em cima…