A falta de esperança em Ninguém Está Olhando
O olhar é um evento. Ele pode transformar, destruir ou reerguer pessoas. Pode ser confortante ou constrangedor. E, em alguns momentos, pode ser a última coisa que gostaríamos de ter sobre nós. Em Ninguém Está Olhando (Nadie Nos Mira), filme da diretora Julia Solomonoff, vencedor do Cine Ceará, o olhar é o tema principal de uma história de desesperança no melhor estilo latino.
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No filme, acompanhamos atentamente a vida de Nico (Guillermo Pfening), um bem sucedido ator argentino vivendo em Nova York, em busca de uma oportunidade. Acontece que ali ele não é ninguém. Apenas mais um latino e que , pelos cabelos loiros, nem é reconhecido com tal. A obra escrita pela diretora, em companhia de Christina Lazaridi, é uma co-produção internacional com participações de Brasil, Argentina, Colômbia, França e EUA.
A busca de Nico em Nova York não se resume ao desafio de fazer sucesso em um lugar novo e maior, mas é principalmente uma fuga do passado de desilusão amorosa. Astro de uma série famosa na América Latina chamada de “Rivales”, Nico teve um caso com Martín, o produtor da série, vivido por Rafael Ferro. Mas o romance entre os dois não se encaixaria na vida de casado do produtor, fazendo o ator preferir esconder-se dos olhos do mundo.
Nico é um personagem rico em camadas e nuances. Percebe-se sempre o quanto sua teimosia o faz perder oportunidades e que o passado não ficou para trás, apesar da nova situação. Em uma trajetória de derrotas e frustrações, o personagem nos arrasta pelo tártaro de suas escolhas, cego pelo orgulho e pelo coração partido.É um filme que contrasta a beleza de planos abertos e iluminados com um personagem soturno e que parece se esconder até de si mesmo. O tempo todo, Nico parece tentar se esconder do mundo fechando os próprios olhos.
Por conta da empatia que o personagem traz, um latino que larga o sucesso em seu país por fraldas sujas e preconceitos velados num outro país, acabamos saboreando o gosto amargo da vida de Nico. E, por conta disso, o filme é perturbador, o que tira um pouco do prazer de assisti-lo. Me fez lembrar a trajetória melancólica de À Procura da Felicidade, filme de 2006 com Will Smith, que testa nossos limites de melodrama por trazer uma história onde a derrota é o padrão.
Excelência técnica
Como obra cinematográfica, os aspectos são de muito bom gosto, com uma fotografia bem rica, ironicamente alegre para mostrar a infelicidade como destaque. A trilha sonora também é bastante sofisticada e a montagem permanece efetiva e invisível como deve ser.
O destaque fica para as cenas de sexo entre homens. Apesar de realistas, não são apelativas ou ofensivas. O olhar da diretora apresentou apenas o sentimento,sem intenção de chocar ou fazer apologias.
Além de contar uma história de amor cotidiana, a direção ainda aproveita para deixar pitadas de críticas ao preconceito presente na utopia do “American Way of Life”. Ninguém está olhando, mas quem é “ninguém”? O protagonista, a sociedade ou o espectador?
Ninguém Está Olhando é um filme difícil de assistir pelo seu tom niilista, mas nunca pela qualidade de sua narrativa. Não traz esperança e isso é duro de encarar. Por isso, o título é extremamente apropriado. Ele nos faz pensar por qual motivo “ninguém está olhando”. Na minha opinião, deve ser porque a infelicidade alheia é mais fácil de aturar quando fechamos os olhos.