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Mundos Opostos – De Costa-Gavras e Angelopoulos à Papakaliatis!

Mundos Opostos

Mundos Opostos

Na Antiguidade, as descobertas feitas pelos filósofos gregos em diversos campos do conhecimento foram responsáveis por estabelecer os fundamentos do que viria a ser chamada posteriormente de Civilização Ocidental. Por isso, depois de dois milênios em busca do prestígio perdido, não deixa de ser uma trágica ironia que um dos países mais afetados pelas crises econômica e imigratória que assolam a Europa nos dias de hoje seja justamente a Grécia. Uma analogia que reflete essa mesma linha de ascensão e decadência pode ser feita com a qualidade dos filmes realizados no país: se nas últimas três décadas do século passado cinéfilos do mundo inteiro foram presenteados com as obras de diretores da estirpe de Costa-Gavras e Theo Angelopoulos, na atualidade temos de aturar monstruosidades como este Mundos Opostos (Enas Allos Kosmos), de Chistoforos Papakaliatis.

Tendo como pano de fundo a cidade de Atenas, o filme conta três histórias de amor vividas por personagens de países e gerações diferentes. Na primeira delas, acompanhamos o relacionamento da jovem grega Daphne (Niki Vakali) com o refugiado sírio Farris (Tawfeek Barhom). Na segunda, somos apresentados a um homem grego de meia idade chamado Giorgos (Christoforos Papakaliatis) que, preso a um casamento mal sucedido, se envolve com a sueca Elise (Andrea Osvárt). E, por fim, nos é mostrada uma relação na terceira idade entre Sebastian (J. K. Simmons), um bibliotecário alemão, e Maria (Maria Kavoyianni), uma dona de casa grega insatisfeita com a própria vida.

Mundos Opostos

Todos os dias, somos bombardeados com notícias sobre as consequências enfrentadas pelo povo europeu em razão da crise que atinge o continente. Desde um aumento significativo do número de suicídios em decorrência do desemprego em massa, até à criação de grupos violentos que perseguem e atacam imigrantes ilegais, o cenário é de guerra e morte. No entanto, embora nos sensibilizemos com toda essa situação, o que temos é uma noção geral dos acontecimentos. Transformar essas histórias em filme é uma chance de aproximar o público dos dramas de cada um desses indivíduos. Por isso, é com extremo pesar que descobrimos que Mundos Opostos desperdiça essa oportunidade ao entregar uma obra esquemática, superficial e sentimentalista.

A razão principal que faz com que o filme não funcione é a estrutura narrativa. Escrito pelo próprio Chistoforos Papakaliatis, que, como vocês já perceberam pelas linhas acima, também o dirige e estrela, o roteiro peca ao optar por contar três histórias ao invés de focar em apenas uma delas. Uma vez feita essa escolha, não restou a Papakaliatis senão construir os personagens de maneira esquemática e permear as tramas com conflitos superficiais. Se, por um lado, temos estereótipos como os jovens apaixonados, o marido infiel que se envolve com uma mulher fria que rejeita qualquer relacionamento sério e os “velhinhos” simpáticos e adoráveis (ela é a típica dona de casa supersticiosa, enquanto ele é um sujeito de mente mais científica); pelo outro, o que vemos é um filme apelando para vários clichês: o pai que não quer ver a filha namorando com um estrangeiro, um suicídio que acontece num momento determinante, uma morte acidental que abala todos ao redor, etc. Essa artificialidade na construção dramática impede que o espectador se envolva emocionalmente com aquilo que está sendo mostrado.

Ademais, as soluções encontradas pelo roteirista para justificar a existência das três histórias são pobres e lembram, em diversos momentos, aquelas que são usadas em novelas televisivas. Ao passo que, visualmente, o filme se contenta em mostrar uma mesma procissão católica passando ao lado de todos os personagens, não há como não rir na cena do jantar em que descobrimos qual é a ligação entre alguns deles. Qualquer semelhança com as “revelações finais” típicas de novelas mexicanas não surpreenderá o espectador menos avisado. Além disso, o único motivo apresentado para legitimar a presença das três gerações diferentes são, além do chavão “o amor não tem idade”, os discursos feitos por Sebastian (em off) no qual ele repete à exaustão sobre o “amor merecer uma segunda chance”. Fora isso, não há nada que explique o porquê de Papakaliatis ter optado por essa estrutura.

Mundos Opostos

No que diz respeito à direção, o cineasta grego se sai tão mal quanto na escrita do roteiro. Fechando o quadro nas cenas de embate verbal e investindo, ao lado de Yannis Drakoularakos, o diretor de fotografia, numa paleta mais “natural” e, portanto, sem vida, Papakaliatis reforça a impressão de que estamos vendo na verdade uma novela. Também pouco inspirado na construção das cenas, que são montadas da maneira mais simples possível, o diretor, preso à natureza esquemática do roteiro, precisa compor alguns quadros que transmitam rapidamente ao público uma sensação ou informação. Mas, ao invés de usar a imaginação para tentar criar algo diferente, Papakaliatis constrói imagens que, por serem extremamente óbvias, deixam claro para o público a sua preguiça mental: a paixão crescente de Daphne e Farris é ilustrada pelas cenas que mostram os dois correndo livremente, brincando com a água no mar, entrando num avião abandonado e fingindo que o estão pilotando; os problemas enfrentados por Giorgos no casamento são representados por um plano detalhe que mostra o personagem mexendo na aliança e por aí vai. E quando tenta trabalhar com símbolos, a falta de inspiração de Papakaliatis fica mais uma vez presente: existe uma maneira mais comum de simbolizar a ideia de que “as consequências do que você faz retornarão pra você” do que mostrar um bumerangue?

Aliás, fica claro ao longo de toda a projeção que o diretor não confia na força do filme para envolver emocionalmente o espectador, já que transforma a trilha sonora num elemento onipresente dentro da história. No entanto, além de cansarem devido à constância com a qual são usadas, as músicas compostas por Kostas Christides não só são melosas como derivam do trabalho de outros artistas. Observem como nos momentos em que aparece o charme dos bares e restaurantes da Grécia o que se ouve são canções nas quais o acordeon se sobressai, muito similares às que são usadas por Woody Allen nos seus filmes realizados na Europa. Notem também como as notas mais emotivas lembram bastante as composições de Ennio Morricone para os filmes do Giuseppe Tornatore. Inclusive, tive a impressão que Papakaliatis estava tentando emular as melhores obras do diretor italiano (vejam como a exibição de O Mágico de OZ no terraço de um prédio traz à memória as exibições públicas vistas em Cinema Paradiso).

Mundos Opostos

E como se não bastasse toda essa incompetência, a escolha de alguns atores também é equivocada. Afinal, há um motivo para ter escalado J. K. Simmons para interpretar um alemão, senão o de fazer com o que filme fosse mais bem sucedido internacionalmente? Se o ator americano conseguisse convencer o público, a escolha não traria problemas, mas fica claro, principalmente nos momentos em que fala inglês, que o ator não é da mesma nacionalidade do personagem. A escalação de Niki Vakali para interpretar a jovem Daphne e de Minas Hatzisavvas para personificar o odioso Antonis também se mostram incorretas. Enquanto o único recurso de Vakali para expressar o amor que sente é rir de tudo o que Farris diz, o recém falecido Hatzisavvas já surge em cena descontrolado e atuando exageradamente.

Com alguns méritos paupérrimos, Mundos Opostos tenta evocar a todo momento o mito de Eros para explicar a dualidade amor X conflito. Para quem não o conhece, há um instante no filme em que a história do deus do amor é contada. Porém, assim como usar a mitologia grega para simbolizar histórias tão vazias de significado e intensidade é um absurdo, realizar um filme como esse – em uma das épocas mais delicadas da Grécia – é mostrar uma falta de respeito com a arte realizada tanto no passado longínquo quanto no passado recente do país.

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