O peso nos ombros da Mulher-Maravilha
Chega a ser injusto colocar tanta responsabilidade em cima de um filme, ainda mais pelo público – e uma parcela da crítica – quase nunca lembrar que existem pessoas pressionadas por trás de cada produção. Mulher-Maravilha (Wonder Woman) é um desses casos, chegando com o fardo de limpar a barra do Universo Cinematográfico da DC iniciado com O Homem de Aço, em 2013. Com o massacre promovido após Batman Vs. Superman e Esquadrão Suicida, a expectativa em torno da Princesa Amazona, uma das coisas das quais ninguém reclamou sobre BvS, cresceu muito. Bem, sobre sua aventura solo, no mínimo, é preciso admitir que ela se saiu melhor na telona que seus colegas até aqui.
(Confira também o Formiga na Cabine sobre o filme!)
No mínimo, eu disse. O filme dirigido por Patty Jenkins (de Monster: Desejo Assassino) é uma aventura de época nostálgica e uma história de origem bem construída, com uma escalada dramática funcional para a protagonista vivida por Gal Gadot. Mais do que isso, justamente pela ambientação na Primeira Guerra, tão distante dos outros filmes da DC, não existe a insípida enxurrada de easter eggs, referências e participações relâmpago de outros personagens, travando a fluidez narrativa. Mulher-Maravilha é um filme bem à parte de seu universo compartilhado, o que acaba deixando os realizadores mais à vontade.
Mostrando a personagem desde sua infância na ilha de Themyscira, um local habitado apenas por amazonas mitológicas, Diana se mostra desde cedo inclinada às artes do combate. Sua mãe, a rainha Hipólita (Connie Nielsen), procura inutilmente impedir o treinamento da menina pela general Antiope (Robin Wright). A história deste povo é marcada por um confronto entre Zeus e Ares, o Deus da Guerra, que, mesmo vencido, tem sua volta dada como certa em algum momento.
Quando Steve Trevor (Chris Pine), militar da inteligência britânica, encontra acidentalmente a ilha durante uma fuga do exército alemão, Diana toma conhecimento do conflito exterior e resolve partir com ele para o front, insistindo que a catástrofe é obra de Ares e contrariando sua mãe. Com a guerra já insinuando seu fim e a Alemanha prestes a assinar a rendição, o perigo de um genocídio sem precedentes se mantém nos planos do rebelde General Ludendorff (Danny Huston) e a Dra. Isabel Maru (Elena Anaya), mais conhecida como Dra. Veneno.
Apresentadas as situações e motivações, só resta esperar ansiosamente que Diana se torne a Mulher-Maravilha no campo de batalha, com todos os apetrechos trazidos da ilha, não? Mais ou menos, caro(a) leitor(a), pois o filme é muito feliz na construção dos momentos que antecedem a ação pesada, mesmo no início em Themyscira. Existe uma boa química entre o casal protagonista, com Chris Pine ótimo e Gal Gadot compensando sua deficiência dramática com muito carisma, e o choque cultural da recém-chegada à Inglaterra diverte bastante sem comprometer o ritmo. Nada de alívios cômicos em excesso, afinal, precisa existir um clima de urgência e o peso da Guerra tem que ser claro (dentro dos padrões de um filme de super-herói, evidentemente). Mais um ponto positivo.
O roteiro de Allan Heinberg, em cima de seu próprio argumento elaborado com Zack Snyder e Jason Fuchs, é eficiente na jornada da protagonista de uma completa inocente até a formação de uma verdadeira heroína. São muito bem definidos os estágios comuns de um filme de origem, mas o importante é que aqui eles funcionam em seu começo, meio e fim, diferente do já citado O Homem de Aço. Heinberg, em seu primeiro trabalho fora de episódios de séries para TV (como Grey’s Anatomy e The O. C.), entrega uma história que convence em seus conflitos básicos, ainda que seja muito previsível em um ou outro ponto, inclusive no que se pretendia a grande virada. Além disso, é falho com dois personagens coadjuvantes: Hipólita acaba prejudicada na coerência em sua última aparição (momento que poderia ter caído fora na edição) e Ludendorff é aquele típico vilão desinteressante que é a maldade em pessoa.
Mesmo com um ou outro deslize, Patty Jenkins tinha um bom texto para trabalhar. A diretora mostra segurança e sabe onde quer chegar, travada apenas por ser obrigada a seguir uma espécie de padrão visual criado por Zack Snyder nas cenas de ação. O excesso da conhecida câmera lenta de Snyder, infelizmente, marca presença, procurando justificar o uso do 3D (se puder, fuja dele e economize um pouco). Não consegue, evidentemente. Mesmo assim, a cineasta se esforçou bastante e a forma como mostra a movimentação e estilo de luta da Mulher-Maravilha compensa isso. Ela também fez bonito na construção do ritmo e clima e na interação entre os personagens.
Parte técnica competente
A fotografia de Matthew Jensen ajuda bastante nesta tarefa. Outro caso de profissional vindo da TV, com séries como Ray Donovan e Game of Thrones no currículo, ele contribui com matizes diferentes em cada momento do filme, destacando as fases da trajetória de Diana. Mais interessante é que essas cores são correspondentes ao próprio figurino dela, fazendo referência à sua própria reconfiguração como uma heroína. Além disso, Jensen emprega muito bem esses recursos cromáticos para dar o ar nostálgico de um filme de época.
Claro que um bom design de produção também é fundamental nesta parte, e Aline Bonetto (de Peter Pan e Uma Viagem Extraordinária) mostra novamente sua capacidade em criar mundos fantásticos, no caso de Themyscira, e não se perde quando vai para os campos de batalha realistas. Uma ressalva que não diz respeito a ela, mas acaba prejudicando de certa forma seu trabalho, é o uso do CGI em determinados trechos. Não que não fossem necessários, mas os efeitos empregados aqui pesam demais e se integram às cenas de forma pouco orgânica. Algo que esperamos que seja melhorado em Liga da Justiça…
Sobre a trilha sonora, é bom comentar sobre outro caso de trabalho prejudicado. Rupert Gregson-Williams fez exatamente aquilo que se espera de uma trilha de época. O problema é que, em diversos momentos de ação, a música é invadida por aquele tema de Junkie XL que ouvimos em BvS. Se lá já atrapalhava por ser tão destoante do resto, aqui é ainda pior. O bom é que na luta final ele é finalmente esquecido.
Chegando ao seu final, Mulher-Maravilha recompensa seu espectador e entrega o filme melhor resolvido da safra recente da DC. Deslizes eram inevitáveis e são perdoáveis pelo conjunto*, mas, ironicamente, ele não aumenta a animação pelos próximos filmes da DC. Não para mim, pelo menos. Explico: uma continuação com ela no presente talvez traga os problemas citados no segundo parágrafo. Enfim, até que isso aconteça para comprovar ou desmentir meu pessimismo, aproveitem esta bela aventura.
*(A única coisa realmente imperdoável é um erro crasso na decupagem perto do final. Preste atenção quando Diana se afasta de sua espada e percebe isso depois…)