“Produtor musical alcoólatra e divorciado cai em desgraça, mas enxerga a redenção em uma jovem e talentosa cantora e compositora, atualmente recuperando-se de uma relação rompida com um músico cuja carreira está em plena ascensão.“
É automático, depois de ler a sinopse acima, imaginar que o filme em questão é um festival de clichês, dos mais manjados e previsíveis, sobre a volta por cima, o encontro com o amor e lições de moral de qualquer espécie. O próprio trailer passa essa ideia, então, invertendo o que normalmente fazemos por aqui, melhor que ele venha antes do resto do texto:
É possível que, a esta altura, as expressões “comédia romântica” e “genérico” tenham passado pela sua cabeça. A boa notícia é que Mesmo Se Nada Der Certo não é exatamente uma comédia e – certamente – não é algo genérico,tentando disfarçar o vazio com música. Esqueça a forma como o filme está sendo vendido no trailer, ou seu título original de auto-ajuda (Begin Again) e tente conferir essa história que mescla drama com situações levemente engraçadas, mas que acontecem naturalmente como na vida real.
Começando com uma narrativa não-linear, posicionando os personagens principais para o público, Dan (Mark Rufallo) encontra Gretta (Keira Knightley) em um bar. Ainda amargando o rompimento com Dave (Adam Levine), ela aceita – contrariada – cantar para a plateia a convite de um amigo. É nesta hora que Dan encontra uma saída para sua decadência e a convence a gravar, mesmo que seja com músicos voluntários e utilizando locais públicos ao invés de um estúdio. Em paralelo, o produtor também tentará reaproximar-se da filha (Hailee Steinfeld), magoada pela sua ausência.
O diretor irlandês John Carney, também responsável pelo roteiro, encantou o mundo com Apenas Uma Vez, em 2006, que também tinha a música como componente fundamental, mas era um filme bem menor. Aqui, trabalhando com um elenco hollywoodiano – consequentemente com mais dinheiro – ele não deixou de lado a delicadeza que lhe é peculiar, investindo em olhares e expressões que dispensam falas. Uma responsabilidade e tanto para o elenco, com Mark Rufallo à vontade, o músico Adam Levine dando conta da tarefa com seus recursos e Keira Knightley apresentando uma ótima performance, apoiada na simplicidade e simpatia de sua personagem. Carney consegue, inclusive, a quebra de alguns clichês, mas evitando que a situação tenha um ar de virada, assim criando uma narrativa muito fluida e natural que vai fazer muita gente dizer que é um filme “gostoso”. Ainda coube na brincadeira uma discussão sobre a relação artista X indústria musical, sem fugir do ritmo seguro do filme.
A fotografia de Yaron Orbach, que trabalhou bastante na TV e, mais recentemente, em episódios de Orange Is The New Black, da Netflix, acerta na opção de manter-se sóbria, sem arriscar comprometer a leveza com algum recurso puramente cosmético, mesmo quando existe uma quebra de narrativa. Ainda que para qualquer pessoa minimamente inteligente a estrutura do filme não tenha nada de complicado, é cada vez mais normal que os produtores apostem na burrice do mundo inteiro e procurem deixar tudo o mais explicado possível, o que, felizmente, não acontece aqui.
Mesmo Se Nada Der Certo não vai decepcionar quem evitar julgar o livro pela capa e estiver procurando um filme que, apesar de leve e descompromissado, não deixa de levar-se a sério. Saiu-se tão bem que eu nem precisei falar da trilha sonora, ou de Keira Knightley soltando a voz.