Pegue a forma da abordagem do tempo utilizada em Elefante, de Gus Van Sant, junte com o naturalismo e a sobriedade de Gabriel Mascaro, acrescente uma pitada da estética de Afonso Poyart e dê liga a tudo isso com a melancolia e depressão de Lars von Trier. Pode parecer uma receita de bolo estranha, mas é mais ou menos essa colagem de elementos que compõe a direção de Joachim Trier. Falando assim, pode parecer que essa “salada de frutas” resulta em algo que foi usurpado e montado de forma não natural, mas o diretor de 42 anos, com pouquíssimos filmes no curriculo – que, sim, tem algum grau de parentesco com von Trier – consegue conferir tons e forma autorais de maneira extremamente cabível em seu Mais Forte Que Bombas (Louder Than Bombs).
Ao longo da projeção, acompanhamos a história de um núcleo familiar composto por Gene (Gabriel Byrne), pai de Jonah (Jesse Eisenberg) e Conrad (Devin Druid). Três anos após a morte de Isabelle (Isabelle Huppert), a mãe da família, ainda tentam lidar com a perda. Em meio a essa reconstrução familiar, Richard Weissman (David Strathairn), um colunista do The New York Times, decide publicar uma homenagem póstuma a Isabelle, que era uma renomada fotógrafa de guerra. Tal decisão – prontamente aceita por Gene – faz com que Jonah regresse à casa do pai e do irmão, revirando essas relações e trazendo alguns segredos virem à tona.
Como já foi dito anteriormente, a passagem do tempo é um elemento muito importante aqui, seja ela para o desenvolvimento dos personagens ou para podermos transitar entre a ordem dos fatos ocorridos, já que a narrativa não é linear. Trier é extremamente sutíl nesse sentido, e agrega a seu trabalho um conceito interessante, nos levando com um personagem até certo ponto, retomando a mesma passagem posteriormente, dessa vez pelos olhos de outro. Muito calmo quanto a qualquer tipo de resolução, o diretor consegue captar um grau de naturalidade muito grande de todos os elementos, algo extremamente difícil, principalmente quando estamos lidando com atores como Eisenberg. Aliás, talvez esse excesso de naturalidade toda seja o calcanhar de aquiles do filme, já que quando Trier tenta pesar um pouco mais a mão em uma cena de acidente, por exemplo, a imersão completa do espectador fica prejudicada.
Escrito pelo próprio Trier e por Eskil Vogt, o roteiro consegue trazer em todos os seus personagens uma profundidade fantástica, deixando o público na incerteza sobre suas atitudes. Gene, Jonah e Conrad, todos tem seus momentos e todos tem espaço para brilhar e surpreender o espectador, não de forma avassaladora, mas com uma sutileza tocante. Ainda assim, existe um elemento de mistério que sempre deixa uma pulga atrás da orelha e é bem conduzido até sua revelação no terceiro ato do filme.
A química existente entre os atores é impressionante. Não importa quem esteja em cena, sempre há fluidez e emoção em tela. As atuações de Byrne – premiado em Cannes – e Druid são as que mais merecem atenção. A mescla de experiência e juventude dos dois é louvável e existe pelo menos uma cena em que é necessário ter um coração gélido para não emocionar-se de verdade. Por outro lado, um exercício interessante para perceber a versatilidade de Jesse Eisenberg como ator é assistir a Batman vs Superman, onde vemos seu Lex Luthor afetado, e depois assistir a Mais Forte Que Bombas como contraponto de atuação. Reservado e até melancólico, seu personagem funciona por vezes como ponte de ligação entre o irmão caçula e o pai, sendo assim um dos motores da história.
A fotografia e a montagem funcionam em união quase perfeita. A primeira contribui com a narrativa utilizando ferramentas de dessaturação de cores, principalmente em momentos mais introspectivos e tristes dos personagens. Já a montagem flui muito bem em suas idas e vindas no tempo, fazendo até algumas rimas visuais com elementos existentes no primeiro e no terceiro ato. O único ponto que talvez devesse ser reavaliado aqui é o fato de o filme estender-se um pouco mais do que deveria, cansando um pouco o espectador.
No final das contas, Mais Forte Que Bombas é uma grata surpresa em meio a tantos dramas genéricos. Quase completamente coeso do início ao fim, com uma boa recompensa após uma tristeza brutal, o filme é um alento, um alívio para quem busca algo novo e – mais importante – com qualidade.