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Mãe! – A megalomania de Darren Aronofsky!

Mãe! é o trabalho de um diretor completamente descontrolado

Não é fácil trabalhar com analogia, alegoria e simbolismo em uma obra de arte. A primeira exige que a narrativa se mantenha sempre no plano comparativo; a segunda, que o sentido figurado continue análogo ao que está sendo descrito metaforicamente, nunca se transformando no objeto retratado; e o terceiro, que os símbolos visuais e sonoros permaneçam sutis, sem tomarem a dianteira dos personagens e da história. Em um filme complexo, dada a dificuldade dos três, costuma-se empregar apenas um deles. Todavia, nessa prudência supõe-se um artista em controle de suas emoções. Se o que existe por trás das câmeras é um diretor desembestado, há flertes com os três recursos, eles se confundem e o resultado final é uma baboseira chamada Mãe! (Mother!).

(Confira também o Formiga na Cabine sobre o filme)

Mãe Filme

Mãe!

Escrito e dirigido por Darren Aronofsky (que já foi tema de um FormigaCast), o filme tem como protagonista a jovem que dá nome ao título e cuja face é a da atriz Jennifer Lawrence (de Passageiros). Morando com o marido (Javier Bardem, de Piratas do Caribe – A Vingança de Salazar), um famoso poeta sofrendo de bloqueio criativo, em uma casa isolada do restante do mundo, os dois levam uma existência idílica. No entanto, o paraíso terrestre em que vivem começa a ruir quando estranhos  batem à porta e pedem abrigo.

Nos seus dois primeiros atos, Mãe! se vale de uma estrutura clássica de horror. Com uma trama comum ao gênero, uma atmosfera densa e alguns jumpscares, o filme trabalha com uma narrativa ambígua, em que os acontecimentos podem ser tanto de ordem natural quanto sobrenatural. Apesar de no início existir uma cena que pode revelar toda a trama ao espectador mais atento, é difícil dizer se há um objetivo maligno na maneira em que Ele (o personagem interpretado por Bardem não tem nome, assim como os outros) abriga estranhos em sua casa ou se há apenas o desejo de entrar em contato com outras pessoas para criar artisticamente.

Quando se desenvolve nessa linha tênue entre o real e o fantasioso, pode-se dizer que o longa funciona. É verdade que, nos atos iniciais, a mania do diretor de usar steadycam e câmera na mão, colando-as nas faces e na parte de trás da cabeça dos atores, deixa o filme visualmente repetitivo e limita a exploração cênica do espaço externo, o que é um equívoco, uma vez que, do ponto de vista narrativo, a casa é tratada como se fosse uma personagem. Um outro problema é a fotografia de Matthew Libatique, que, ao buscar contrastar a imagem granulada com os tons fortes da direção de arte, não cria um visual incômodo, mas emocionalmente estéril, em que uma proposta anula a outra.

Mãe Filme

Contudo, mesmo com esses defeitos, a narrativa é suficientemente misteriosa para manter o espectador atento (o design de som, com os seus silêncios inquietantes e barulhos incômodos, também são essenciais para atrair a nossa atenção). Aliás, é preciso destacar que, nessa construção progressiva até o clímax, não dá para dizer se as alusões bíblicas (a criação, Adão e Eva, Caim e Abel, o dilúvio, Cristo e Armagedom) são simbolismos da trama, uma analogia da vida de escritor ou alegoria do desenvolvimento narrativo da Bíblia. Portanto, com a exceção da primeira possibilidade ser verdadeira (se forem símbolos, eles são precários e óbvios), as outras duas opções são válidas e trabalhadas razoavelmente bem.

O apocalipse de um diretor

No entanto, chega o terceiro ato, o público descobre, enfim, a intenção do diretor e, a partir desse instante, tudo desaba. Inicialmente, o aspecto que mais se destaca negativamente é o exagero do clímax. Como não há um foreshadowing do que acontecerá posteriormente e até então a narrativa não abraçara completamente um único viés interpretativo, a sucessão ininterrupta de eventos no final é mais engraçada do que impactante. Além disso, a incapacidade de Aronofsky em compor um enquadramento no qual os elementos visuais são nítidos sacrifica a profusão de imagens que ele mesmo introduz (é sabido que ele faz isso para criar a sensação de desespero da protagonista, mas não dá para justificar um acerto com um erro).

Mas, infelizmente, esse não é o maior dos problemas. O principal equívoco do cineasta reside na solução encontrada para finalizar a história, a qual é um sopro na sua casa de cartas. Da maneira como o filme termina, o espectador percebe que nos dois primeiros atos não existia nenhum símbolo (ao contrário do que parecia), a analogia desenvolvida anteriormente entre escritor e divindade criadora ou vice-versa é completamente abandonada – o que, por sua vez, elimina todos elementos humanos da história -, e, no que é uma auto-sabotagem assustadora, descobrimos que a alegoria escolhida por ele se confunde completamente com a figura metaforizada, uma vez que ela se torna real. No fim, tudo o que resta é uma narrativa indecisa entre a abordagem direta e alegórica.

Mãe Filme

Deste modo, o filme inteiro entra em colapso, não sobrando quase nada. Sim, seria injusto dizer que não existem méritos em Mãe! Há a atuação de Lawrence (é impressionante como a atriz consegue subverter a sua imagem sexualizada, dando a ela uma aura angelical) e a eficiente construção da protagonista, principalmente, na forma como a sua relação com a casa cria um contraste entre o seu amor altruísta e os interesses egoístas do parceiro. No entanto, esses são escombros resplandecentes de uma residência que desmoronou totalmente. Eles não são suficientes para reconstruí-la do zero. No topo de sua presunção, Aronofsky oferendou aos deuses as partes em troca do todo. Ainda no campo das metáforas, poderia dizer que o cineasta voou muito perto do sol e queimou as suas asas. Na verdade, poderia continuar usando metáforas pelo resto da vida e não adiantaria nada. Afinal, o diretor não saberia distingui-las das alegorias.

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