O drama A Luz Entre Oceanos (Light Between Oceans) é uma daquelas histórias que nos frustram por potenciais não realizados. A adaptação do diretor Derek Cianfrance é bastante próxima do material original escrito por M. L. Stedman, o que poderia servir como aquele velho argumento que, de vez em quando, vemos pipocar quando falamos sobre adaptações literárias – o filme é bom na medida em que o livro em que é baseado permite. Mas é exatamente esse o problema recorrente na Hollywood recente: devido sua colossal escassez criativa e covardia em investir em algo original, os estúdios vão atrás de materiais medíocres para poder realizar seus filmes. Não é necessariamente um problema do autor do livro que a sua peça não seja grande coisa; o problema é sempre o imenso alarde feito em torno dela, como se fosse grande coisa.
A história fala sobre Thomas Sherbourne (Michael Fassbender), soldado que lutou na Primeira Guerra e, desolado com o que viu, busca isolamento. Ele consegue emprego como faroleiro na ilha Janus, que fica localizada entre dois oceanos e é de enorme importância estratégica e comercial. No decorrer do seu trabalho, acaba se apaixonando e se casando com Isabel Graysmark (Alicia Vikander), que o acompanha na vida no farol. Após duas tentativas frustradas de ter um filho, eles encontram um bebê de dois meses em um barco junto com um cadáver. Eles decidem adotá-lo, esconder o cadáver e dizer que o filho é deles. Entretanto, ao retornar para o continente para batizar a criança, eles percebem que tomaram a decisão errada.
Percebam que o elenco, que ainda conta com a grandiosa Rachel Weisz, interpretando Hannah Roennfeldt, a mãe da criança adotada, é tão bom quanto poderia ser e eles fazem jus a escalação. Todos atuam com intensidade, provocando um profundo envolvimento com seus espectadores diante dos dilemas e das dificuldades que o filme apresenta. Fassbender está aqui em um de seus raros momentos em que não o vemos impondo seu porte físico e suas expressões contundentes na tela – seu Thomas é um homem introspectivo e silencioso que, apesar de apresentar uma forte bússola moral desde o início do filme, depende muito da interação com sua esposa para que possamos saber o que ele está pensando e sentindo. É um homem sensível e relutante, mas sincero em seus sentimentos, algo brilhantemente traduzido pelo ator na tela.
A Isabel de Vikander também é uma personagem envolvente, com suas escolhas nos fazendo rapidamente criar uma relação de amor e ódio com ela. Todos sabemos que o amor de mãe é capaz de levar uma mulher a fazer escolhas difíceis, até mesmo questionáveis, e a intensidade de Isabel – de muitas formas, o exato oposto de Thomas – tornam essas características ainda mais exacerbadas em cena. Esse aspecto se torna ainda mais contrastado e explícito após a introdução de Hannah, cujas características como mãe se assemelham muito as de Isabel, tornando a ideia do confronto entre elas potencialmente interessante – além de justificar a empatia imediata provocada em Thomas, que se vê diante de uma situação complexa e moralmente duvidosa. Não obstante, existe até uma comoção maior provocada pela personagem, pelo fato de ela ter enfrentado maus bocados por ter decidido se casar e ter tido uma criança com um alemão; lembramos ao amigo leitor que na Primeira Guerra, os alemães também não foram muito benquistos.
É exatamente aqui que voltamos ao início do texto: A Luz Entre Oceanos é um filme de potenciais não realizados. Existem inúmeros aspectos do filme que poderiam levar problemas éticos para a tela, desnorteando mesmo o espectador mais resiliente. Salvar uma criança de um futuro em orfanatos em plena década de 20? Preservar a felicidade na mentira em detrimento de sofrer com a verdade? Enfrentar o julgamento de uma sociedade conservadora? Salvar o homem que fez tudo por você ou uma criança que você ama mesmo não sendo sua? Abrir mão da sua própria felicidade para garantir a felicidade do seu rebento? Todas essas são perguntas que vão surgindo próximo ao clímax do filme, que nos geram a expectativa de enfrentar uma situação eticamente complexa que fariam os minutos finais de A Escolha de Sofia parecerem ter passado rápido demais. Mas é aqui que o filme peca.
Nenhuma dessas questões acima é problematizada. Nem os dilemas éticos, nem as situações históricas. Tudo se resolve de maneira muito simples, tanto em termos narrativos quanto emocionais. Na verdade, chega a ser ironicamente impressionante o quanto essas pessoas, que aparentavam estar tão emocionalmente envolvidas com todo o imbróglio provocado pela criança, conseguem se tornar tão repentinamente abnegadas. Depois de 2 horas quase saindo no braço e até mesmo colocando suas vidas e liberdades em risco pela criança, de repente – não mais que de repente, como diria Pessoa – tudo se resolve, todos estão perdoados, e ninguém sofre com nenhuma consequência mais grave. Não é que a história seja mal escrita, mas seu desenvolvimento, que se propunha incisivo e complexo, acaba se tornando banal e açucarado. Como se Jodi Picoult levantasse o capuz e se revelasse Nicholas Sparks, faltando 15 minutos para o término da sessão.
É realmente uma pena termos que criticar a narrativa dessa forma, pois o filme, esteticamente, é belíssimo. Se Cianfrance, que também assina a adaptação do roteiro, não conseguiu fazer muito para surpreender em relação a um roteiro mediano, no quesito visual nos entrega uma bela peça. A fotografia, que é responsável pela interação com a ideia de época, é envolvente, capturando ao mesmo tempo o clima austero da ilha, quando os personagens enfrentam seus dilemas. O seu aspecto bucólico e poeticamente isolacionista, torna-o uma espécie de ventre aconchegante, quando os protagonistas conhecem seus breves momentos de felicidade. Alternando entre os cenários fechados e os planos abertos, a câmera de Cianfrance é gentil com o espectador, fornecendo a ele todos os ângulos necessários para que ele possa se envolver com os personagens.
Vale mencionar também a bela trilha sonora de Alexandre Desplat, cujos temas principais e incidentais ajudam a potencializar a carga dramática do filme e a conduzir os momentos catárticos do filme. É uma peça que poderia facilmente ser ouvida à parte do filme, mas que está completamente inserida dentro do seu contexto narrativo. Vale a pena prestar atenção.
Parece que o cinema, como um todo, não anda muito disposto a desafiar seus espectadores. Sabemos que muitos que lerão a crítica e assistirão ao filme dirão que se trata de um excesso de preciosismo – “chatice” – do crítico. Mas pare e preste atenção nas situações que são confrontadas no filme e pense em como você reagiria se fosse alguma daquelas pessoas. Este colunista sabe que dificilmente sua vida particular se resolveria de forma tão simples. Sendo um drama de época, um gênero que se pretende ao realismo, é difícil comprar as ideias expostas em A Luz Entre Oceanos pela maneira simplista como elas se resolvem.
Valeria muito mais a pena somente nos deixar imaginar como seria a vida isolado numa ilha somente com a Alicia Vikander – ou o Fassbender, certo, amigas leitoras?