Quando se fala em Gaspar Noé, o primeiro filme que vem à cabeça é Irreversível, de 2002, famoso pela cena onde a personagem de Monica Bellucci é brutalmente estuprada. Se você viu esse filme, deve ter percebido que ele merece um crédito maior do que ser lembrado apenas por isso, no entanto, é indiscutível que o cineasta faz filmes para poucos e não se importa em criar cenas que vão incomodar – bastante – as pessoas. Com essa impressão, o anúncio de Love, seu drama com cenas de sexo explícito e rodado em 3D, não foi tão surpreendente, até porque outro cineasta polêmico já se aventurou neste caminho não faz muito tempo. Impossível não lembrar imediatamente de Ninfomaníaca Vol. 1 e Vol. 2, que Lars Von Trier dirigiu em 2013, mas conforme os títulos já deixam claro, a relação não vai muito além da disposição em retratar relações físicas.
Se a obra de Von Trier trazia o sexo na forma de uma compulsão de sua protagonista, em Love são sentimentos muito mais comuns que levam um jovem casal a excessos. Murphy (Karl Glusman) acorda na manhã de ano novo ao lado de Omi (Klara Kristin), no apartamento que dividem. De cara, já sabemos que os dois tem um filho, mas um telefonema da mãe de Electra (Aomi Muyock), ex-namorada de Murphy, pedindo informações para localizar a filha desaparecida, precipita a torrente de recordações deste relacionamento anterior, revelando a insatisfação que Murphy enfrenta naquele momento. A fragilidade emocional do antigo casal e os motivos da ruptura são expostos sem pressa, ao longo de 134 minutos, apresentando o ciclo de acontecimentos de uma forma não linear.
Também não há pressa nas cenas de sexo, evidentemente presentes por toda a narrativa e maravilhosamente fotografadas por Benoît Debie, repetindo a parceria de Irreversível e Viagem Alucinante, de 2009. Aliás, é preciso salientar que o filme inteiro é um show neste sentido, com uma aplicação de 3D que confere à obra uma profundidade incrível. A intenção de Gaspar Noé parece ser realmente o registro da relação carnal explícita, porém transcendendo o prazer puro e simples, que nem por isso é menos evidente, deixando claro que o que move os personagens neste universo é algo maior e mais complexo. O estudante de cinema Murphy torna-se uma espécie de alter ego do cineasta, pois afirma em um momento que seus filmes serão sobre sangue, esperma e lágrimas, apesar de Love só se ocupar dos dois últimos. Existem mais referências inusitadas ao próprio autor ao longo do filme, adicionando questionamentos que estarão nas conversas pós-sessão.
Outro ponto a se destacar é o trio de atores principais. Se Karl Glusman não tem muitos créditos anteriores para ser considerado um ator experiente, Aomi Muyock e Klara Kristin inauguram suas carreiras dramáticas nestes papéis difíceis, ainda que a primeira brilhe mais, porém unicamente pelo peso de sua personagem. A base dramática do texto, muito bem fundamentada nas ações e reações entre os conflitos, é bastante valorizada pela entrega dos intérpretes, principalmente no caso dos apaixonados Murphy e Electra, que transitam entre extremos opostos em diferentes momentos. Como já deve ter ficado claro, o inesperado é que não há nada violentamente chocante ou diretamente incômodo, logo, não há motivo para o público mais sensível evita-lo, a não ser que o problema do espectador seja o ato sexual em si.
A única ressalva é que poderia ser mais curto, ou utilizar sua duração de outra forma. Quando a narrativa alcança seu terço final, já houve desenvolvimento o bastante para entendermos as dores e as motivações de Murphy, faltando apenas finalizar esse caminho, mas a trama se alonga acrescentando muito pouco. Felizmente, não se trata de um apêndice com mais cenas de sexo polêmicas, mas expandir o pano de fundo dos personagens principais além do necessário. Por essa gordura narrativa, o final de Love, apesar de coerente com sua proposta, pode soar pouco gratificante. Mesmo assim, é instigante e reflexivo como se espera de um filme de Gaspar Noé, o que faz essa experiência valer a pena.
Interessou? Não deixe para ver em casa, pois o 3D é realmente algo a se conferir na tela grande, e diferente da grande maioria das produções no formato, realmente adiciona algo a essa história de amor difícil. As contradições de um relacionamento nunca foram projetadas de forma tão palpável.