Documentário de Guillermo Rocamora, Liberdade é Uma Grande Palavra tem clima de filme indie
Filmado em Montevidéu e na fronteira do Brasil com o Uruguai, com um diretor uruguaio e produção brasileira, Liberdade é Uma Grande Palavra retrata alguns anos na vida de Mohammed Motan, um palestino de 38 anos que passou mais de uma década na prisão americana de Guantánamo.Durante o governo Obama, centenas de detentos do local foram libertados, porém sem autorização para voltarem aos seus países de origem. Aparentemente em um gesto humanitário, o na época presidente José Mujica (que já foi guerrilheiro e também esteve na prisão) recebeu cinco desses ex-detentos no Uruguai, oferecendo alojamento e assistência financeira em um programa de reintegração de três anos.
O diretor Guillermo Rocamora conduz o documentário com um tom de ficção que lembra o cinema de arte europeu, aproveitando que Mohammed se sente extremamente confortável diante das câmeras. Ele era filmado diariamente em Guantánamo. Com o foco sempre no dia-a-dia tedioso de Mohammed, o filme complementa as informações políticas com registros das vozes do presidente Mujica, trechos de noticiários e comentários sobre a situação, como, por exemplo, “Não são crianças de colo que precisam de cuidados”ou “não podemos oferecer algo a eles que nem o povo uruguaio tem”.
Documentando um ano depois que está no programa, Liberdade é Uma Grande Palavra acompanha dois anos na vida de Mohammed, então casado com uma uruguaia muçulmana que conheceu depois de sete meses no país, e que agora está grávida. Ele tem direito a uma casa e ajuda financeira de 15 mil pesos (cerca de mil setecentos e setenta reais), aprendeu a dirigir, estuda espanhol, faz aulas de carpintaria de alumínio e tenta obter uma licença para operar maquinaria pesada.
O filme começa com Mohammed buscando corrigir sua identidade, já que seu nome está errado no documento que foi feito para ele quando foi solto de Guantánamo. Ele tem suas impressões coletadas, é processado para dentro do sistema. Não é o primeiro paralelo que o documentário faz com a sua nova condição de “livre”. Ele percorre as ruas da cidade como um peixe fora d’água, fala mal inglês e seu espanhol é pior ainda. “No entiendo” é a frase que mais profere, enquanto enfrenta a burocracia e os costumes de um país onde não se sente em casa. “Os uruguaios gostam de ursos” ele comenta com sua esposa Aziza enquanto compram uma roupa para a filha que está para nascer: “Colocam ursos em tudo.”
Mohammed vs o mundo
Mohammed conta com apatia que dormia três a quatro horas por dia na prisão, era torturado, humilhado e passava fome. Ele também chega a lamentar que não está mais na prisão, onde tinha roupa e comida, “agora tem uma esposa, filhos e responsabilidades.” Por outro lado, Aziza enfrenta seus próprios problemas por conta de sua religião. Ela exige que seu bebê seja entregue por uma mulher, já que não pode ser tocada por um médico homem. “Se houver uma mulher para te atender no dia do parto, com certeza poderá ter esta preferência atendida, mas não temos como garantir quem estará de plantão no dia.” “Vocês estão me discriminando por conta da minha religião”, ela protesta.
Já Mohammed procura um emprego onde não sejam oferecidos carne de porco ou bebida alcoólica e onde possa parar para rezar. Por conta de seu passado na prisão e da situação econômica ruim do Uruguai, os empregadores não tem interesse em contratá-lo. Ao não ter tido outra escolha a não ser ir para o Uruguai e estar longe de sua família, Mohammed está frustrado e infeliz, vendo com maus olhos o governo e os representantes que o estão ajudando. Ao contrário, ele diz que “o que eles fizeram para me ajudar ou ajudar a minha família? Eles não tem coração”. Ele sente que está em outra prisão, só que agora o dizem que precisa mudar a sua atitude, que reclama demais, que ninguém irá contratá-lo se estiver constantemente reclamando. “Terminamos? Posso ir?” ele retruca, com lágrimas nos olhos.
Talvez a maior frustração de Liberdade é Uma Grande Palavra seja a falta de informações sobre seu assunto principal. Não sabemos nada sobre Mohammed, as condições de sua prisão, o que fazia na Palestina antes de ser sequestrado pelo governo americano. O diretor não quer julgá-lo, mas acaba por tabela deixando isso por conta do espectador. Uma rápida pesquisa no Google já informa que estamos assistindo à história de um homem que foi preso injustamente, não havia necessidade de esconder isso.
Por outro lado, isso deixa o documentário aberto a servir como a trajetória de qualquer ex-detento ou imigrante que procura recomeçar a vida em outro país. Rocamora não está interessado em fazer o espectador gostar de Mohammed ou sentir pena dele. Apenas quer que ele seja entendido. O documentário não se importa se Mohammed é culpado ou não, afinal, ele é um homem livre e deve ser tratado como um ser humano bom e decente. Claro, desde que ele não tente ir para a Palestina.