Lady Bird: A Hora De Voar é uma ode aos espíritos medíocres
Há duas maneiras de se olhar para Lady Bird: A Hora De Voar (Lady Bird): a primeira analisa o filme a partir do seu sucesso estrondoso (unanimidade entre os críticos e várias indicações nas principais premiações da indústria). Nesse modo de análise, o resultado mais interessante que se pode obter é um diagnóstico de como os adolescentes e adultos da atualidade reagem a determinados personagens e histórias. Já a segunda é uma avaliação isolada da obra, o método crítico por excelência, ou seja, o julgamento de um filme por aquilo que ele é, independentemente do ambiente criado ao redor.
Partindo dele, nota-se que não há justificativa cinematográfica para o sucesso do longa, muito menos para as declarações de ódio que rotineiramente acompanham as obras de arte demasiadamente elogiadas. Afinal de contas, tudo neste longa-metragem de Greta Gerwig é medíocre. São conflitos medíocres vividos por personagens medíocres em um filme medíocre. Sendo assim, a única reação possível é a total indiferença. Alguns dos poucos elementos que se destacam são as atuações do talentoso elenco (Tracy Letts, de Indignação, surpreende como o pai com depressão) e a química entre Laurie Metcalf e Saoirse Ronan, mãe e filha, respectivamente.
De resto, quase nada chama atenção. Nos quesitos estético e técnico, as escolhas dos realizadores se revelam pouco inspiradas. Se, por um lado, a iluminação naturalista de Sam Levy (cujo trabalho de maior expressão é a fotografia em preto e branco de Frances Ha) mostra Sacramento como um lugar simples e sem vida (o que é condizente com o desejo que a protagonista tem de fugir da cidade), por outro lado, cria uma narrativa modorrenta e visualmente monótona na qual nenhuma emoção é transmitida por luzes, sombras ou pela composição dos quadros.
Isso piora com o trabalho de Gerwig, uma vez que a pobreza vista no seu primeiro longa também dá as caras nesta segunda empreitada. À exceção dos travellings laterais que revelam as casas e ruas que compõem as paisagens dos bairros (recurso que, no entanto, é empregado em excesso) e dos planos de conjunto que reúnem Ronan e Metcalf mesmo quando elas estão brigando (o que serve para estabelecer o elo emocional entre as duas), tanto os enquadramentos quanto a mise-en-scène não dizem nada sobre a dinâmica entre as personagens e a posição de poder gozada por cada uma delas.
Dramas menores e conflitos inexistentes
Essa indigência, por sua vez, é completamente assistida pelo roteiro da cineasta, o qual, apesar de conter alguns diálogos eficientes do ponto de vista cômico, encara a trajetória da protagonista com uma total ausência de intensidade dramática (os cortes abruptos da montagem contribuem para esse problema). Nenhum acontecimento recebe a atenção devida. O ensinamento católico, por exemplo, é um mero detalhe do texto, já que em nenhum momento ele aparece como algo capaz de ajudar ou atrapalhar a vida de Lady Bird. Isso também vale para a subtrama desnecessária envolvendo a melhor amiga (Beanie Feldstein) e para a descoberta de algo relacionado a um dos seus namorados (Lucas Hedges, de Manchester À Beira-Mar), revelação rapidamente abandonada por Gerwig e que não gera a menor consequência.
Do outro lado da moeda, existe o falso conflito principal. Analisando friamente, não há nenhum problema entre a protagonista e a sua mãe. Fica claro desde o início que as duas se amam e as discussões que têm são uma mera contingência oriunda da fase pela qual Lady Bird está passando, mas como a diretora não tinha quase nada em mãos, a não ser um coming of age muito distante dos melhores títulos sobre o assunto, ela precisa transformar simples batalhas verbais em cenas dramáticas. Eventualmente, tudo acaba se revelando um jogo de cartas marcadas decepcionante e ilusório (o título do filme nasce da vontade da protagonista de voar para longe da cidade natal).
Isso também acontece porque a protagonista é, sob todas as perspectivas, vazia. A mãe interpretada por Metcalf até consegue apresentar certa honradez, principalmente na forma como luta para manter a família saudável e blindada diante de qualquer problema. Já Lady Bird não consegue mostrar uma qualidade sequer. Não há nada em sua personalidade que seja atraente. É uma personagem seca, intelectualmente limitada e que pouco se importa com as coisas que acontecem à volta. Aos seus olhos, tudo é visto com um cinismo infantil, do qual é impossível para o espectador retirar algo de valor.
Dessa maneira, Lady Bird: A Hora De Voar é tão descartável e esquecível quanto a maioria das comédias adolescentes lançada anualmente nos cinemas. Se parece mais artística ou autoral é porque Gerwig, amplamente amparada nas táticas do seu “mestre”, o fraco Noah Baumbach (diretor de Mistress America e do supracitado Frances Ha), é inteligente o suficiente para preencher a superfície com falas espertinhas, uma ironia debilitada, um visual típico dos filmes indies norte-americanos e uma nostalgia nada crível. Porém, mal sabe ela que essas características não afastam o seu filme da mediocridade, mas, pelo contrário, o aproximam perigosamente.