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La Vingança – Uma boa comédia nacional, finalmente!

La Vingança é uma luz no horizonte da comédia brasileira

Muito provavelmente, o leitor, assim como eu, deve ter se cansado de esperar ver nos cinemas uma comédia nacional que seja engraçada. Nas salas de nosso país, somos obrigados a assistir às atrocidades cinematográficas perpetradas por “artistas” como Paulo Gustavo, Fábio Porchat, Bruno Mazzeo etc. Além do mais, esses filmes nos transmitem a horrível sensação de que estamos vendo um programa de televisão estendido e não um filme. Felizmente, apesar de ser uma coprodução entre Brasil e Argentina, La Vingança veio para acabar com essa pobreza no gênero. O filme não só é uma comédia eficiente, como reforça a sua natureza cinematográfica em cada um dos seus frames.

La Vingança - Comédia nacional com Daniel Furlan

La Vingança

Antecipado já em seu título (há uma brincadeira com uma palavra espanhola e outra portuguesa, remetendo à produção conjunta entre os dois países) o longa é sobre vingança. Mais precisamente, a vingança de Caco (Felipe Rocha) sobre a ex-namorada, Julia (Leandra Leal). Prestes a pedi-la em casamento, ele a flagra tendo relações sexuais com o infame Facundo (Adrián Navarro). Vendo a depressão enfrentada por Caco, Vadão (Daniel Furlan), o seu melhor amigo e parceiro de trabalho (os dois trabalham como dublês), acaba levando-o inconscientemente em uma viagem até a Argentina, com o excêntrico propósito de fazê-lo vingar a traição da ex-namorada dormindo com o maior número de mulheres possível.

Basta ler as últimas linhas do parágrafo acima para perceber que a trama de La Vingança é uma “cópia” de inúmeras comédias hollywoodianas, além de não ser um dos pontos fortes do filme. No entanto, as grandes obras do gênero quase nunca se destacaram em razão da criatividade de seus pontos de partida (aliás, a sátira, uma das formas mais inteligentes de comédia, se inicia também a partir de uma “cópia”). Na maior parte dos casos, parte-se de um fiapo de história para, através das falas, dos personagens e situações, criar um todo cômico que seja eficiente. Com o filme do diretor estreante Fernando Fraiha, co roteirista com o também novato Jiddu Pinheiro, tem-se isso em boa parte do tempo.

A dupla divide os créditos do texto  com Thiago Dottori e Pedro Aguilera, construindo o roteiro de La Vingança como um road movie. E, como tal, abraça as convenções do gênero: há, no filme, as surpresas da estrada, os imprevistos e personagens que aparecem e desaparecem rapidamente. As situações imaginadas pelos roteiristas também não são muito originais: a festa em que os personagens principais não conseguem seduzir nenhuma garota, a mulher louca que está fugindo do casamento no dia da cerimônia e o grupo de argentinos que eles encontram durante o trajeto são ocasiões que, a grosso modo, o espectador lembrará de ter visto em outros filmes.

La Vingança - Comédia nacional com Daniel Furlan

O que mais chama atenção em La Vingança são, na verdade, Caco e Vadão. Auxiliados pelas boas atuações dos atores escolhidos para encarná-los (Daniel Furlan está excelente), os roteiristas tratam os seus personagens com um esmero criativo que é muito incomum em nossas terras tupiniquins. Diferentes, mas, de certa maneira, se completando, os dois vivem um relação constante de amor e ódio. E, embora possam ser definidos por algumas características marcantes (Caco é um romântico incurável, e Vadão gosta de aproveitar a vida), ambos estão ainda numa fase de amadurecimento, vivendo uma ilusão (o fato de trabalharem como dublês é um símbolo poderoso disso) que se desvanecerá para dar lugar a uma realidade que se tornará evidente só depois da jornada que eles enfrentam (assim, faz muito sentido que seja um road movie).

Já as falas, como tem de ser num filme como este, são muito inspiradas e quase todas funcionam perfeitamente. Até mesmo brincadeiras óbvias como a polêmica envolvendo Pelé e Maradona e as diferenças entre brasileiros e argentinos (um dos melhores momentos é quando Vadão diz que Maradona nem é o melhor viciado em drogas, já que o Brasil tem o Casagrande – aqui, percebe-se como o humor do filme é negro e politicamente incorreto) são desenvolvidas originalmente. Ademais, sempre revelando o interior dos personagens, os diálogos, além de serem criativos e frenéticos (há muitos deles ao longo da projeção), são sonoros, enchendo a obra de uma musicalidade viciante.

No entanto, esses não são os únicos méritos do filme. Aliás, há uma forte preocupação por parte dos seus realizadores com o papel das mulheres numa obra como essa. Afinal, como não poderia deixar de ser, La Vingança é um filme sobre o universo masculino e, por ter essa natureza, na maior parte do tempo enxerga as mulheres apenas como interesses românticos. Mas é curioso perceber como por detrás dessa aparência há um elogio do filme ao sexo feminino. Notem, por exemplo, como os dois personagens principais sempre estão à mercê e sob o controle das mulheres e como algumas destas – novamente, num símbolo poderoso – estão dirigindo os carros. Sutil, esse comentário é feito de uma maneira elegante, visualmente rica e sem nunca soar moralizante.

La Vingança - Comédia nacional com Daniel Furlan

Uma comédia cinematograficamente bem realizada

Já os aspectos técnicos, por sua vez, embalam o filme e geram um sentimento que o espectador raramente tem ao assistir a uma comédia brasileira: o de que está vendo uma obra cinematográfica. Juntamente com os diretores de fotografia Gustavo Hadba e Felipe Reinheimer (que investem tanto numa iluminação escura quanto numa paleta de cores sóbrias), Fernando Fraiha compõe belíssimos planos que integram com perfeição os personagens às paisagens percorridas, além de estabeleceram quadros fechados que revelam a perspectiva de alguma das peças do carro (transformando-o, portanto, em um dos personagens do filme – aliás, Vadão deu até um nome a ele). Além disso, os diretores têm timing cômico, o que, aliado à montagem eficiente de Danilo Lemos, explora todos os momentos de comédia com total eficiência.

Engraçado, bem realizado e com uma dupla de atores principais em estado de graça, La Vingança é uma luz no horizonte das comédias brasileiras. Num cenário devastador em que temos desastres como Amor No DivãMinha Mãe é uma Peça 2 e Internet – O Filme, o filme de estreia de Fernando Fraiha é um alívio e um ótimo sinal de que o Brasil, mesmo que seja com uma ajudinha dos nossos hermanos, sabe fazer comédia, sim. Possui alguns erros, é verdade, mas os seus acertos são suficientes para fazê-lo se destacar no mar de mediocridade no qual o gênero vem se afundando cada vez mais nos últimos anos.

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