Aria é uma menina de nove anos vivendo na Roma de 1984. Além da rotina normal da idade, ela precisa lidar com o peso de ser filha de uma pianista neurótica e um ator ególatra e supersticioso, casal em pé de guerra desde sempre. O problema dela é agravado pelo fato de ser a mais nova entre duas meias-irmãs, uma filha de sua mãe e a outra de seu pai, com todos dividindo a mesma casa quando o filme começa. Além da indiferença, a menina sofre no meio das atitudes mais egoístas e cruéis destes quatro personagens. Esta é a premissa de Incompreendida (Incompresa), dirigido por Asia Argento a partir de um roteiro vagamente autobiográfico, escrito com Barbara Alberti. Aliás, Aria é o nome do meio da diretora.
O leitor mais ligado no mundo da sétima arte já sabe que ela é filha do lendário Dario Argento, cineasta referência do Giallo, termo que designa um tipo popular de literatura de suspense na Itália, estilo que acabou fazendo sucesso também no cinema e herdou o nome. Sua mãe é a atriz Daria Nicolodi, que atuou em vários filmes de Dario, entre outros familiares dentro do meio artístico. A julgar pelo que vemos em seu filme, não deve ter sido fácil para ela e sabemos o quanto as experiências ruins da vida são um combustível e tanto para a ficção, mas uma boa intenção e matéria prima de qualidade não garante um produto final necessariamente memorável.
Começando por seu maior problema, Incompreendida tem um roteiro estabelecido em cima de um vai – e – vem que já se esgota na metade de seus 103 minutos. Não demora muito até a separação turbulenta do casal, com o pai levando sua filha e Aria permanecendo com a mãe e a outra meia-irmã. Entre a escola, a companhia e as brincadeiras com a melhor amiga e a dificuldade de se fazer notar pelo garoto do qual gosta, vemos a mãe promíscua que a ignora entre atividades fúteis e a envia para a casa do pai. Este, por sua vez, faz questão de deixar claro que ela não é bem vinda, precisando voltar para a mãe em determinado momento. Essa dinâmica se repete um sem número de vezes até a conclusão. Se as atitudes dos personagens não soassem tão exageradas, principalmente o pai, talvez isso não incomodasse tanto. Tudo bem que podemos argumentar que é a visão da menina, mas ainda assim isso prejudica um pouco da empatia do espectador com a pequena protagonista, sofrendo também nas mãos dos colegas da escola.
Mesmo com um roteiro devagar e pouco inspirado, Asia Argento mostra que é uma boa diretora. O filme tem uma construção visual interessante, tanto nos planos que ela utiliza ou no uso consciente das cores, fator que valoriza a experiência, mas frustra o espectador que pensar em como o conjunto seria melhor se o conteúdo estivesse à altura da forma. O esforço neste quesito é evidente, ajudado por um desenho de produção eficiente no retrato da época e, principalmente, pela fotografia de Nicola Pecorini (de O Teorema Zero), valorizando o colorido ao mesmo tempo em que consegue manter o tom sombrio que tema pede.
No elenco, Giulia Salerno como Aria mostra uma boa desenvoltura e não decepciona. É a composição de personagem mais natural dentro do triângulo principal, algo que pode até ser intencional. O pai, vivido por Gabriel Garko, mais conhecido na Itália, chega a ser irritante com uma atuação histriônica prejudicada pelo personagem mal escrito e caricatural. A onipresente Charlotte Gainsbourg – a Ninfomaníaca de Lars Von Trier – atua bem como a mãe, com seu ar de tédio apático alternado com surtos de euforia ou raiva, mostrando-se dramaturgicamente melhor estruturada e crível do que o ex-marido.
Curiosamente contando com Scott Derrickson, diretor do ainda inédito Doutor Estranho, como produtor executivo, Incompreendida está bem distante de algo desprezível. É o terceiro longa metragem na carreira de Asia Argento como cineasta, com muito mais experiência no comando de curtas e como atriz, deixando a impressão que ela poderia render bem mais contando com um texto mais enxuto e melhor elaborado. No entanto, como este filme chega ao Brasil com dois anos de atraso e não temos notícia de nenhum outro projeto com ela, pelo menos por trás das câmeras, parece que não é neste segmento que ela quer investir.